Decisão final da COP30 ignora fim dos combustíveis fósseis

Eduardo Nunomura, Amazônia Real, 22 de novembro de 2025

A COP30 decidiu convocar o mundo para a união, mas calou-se sobre a causa central da crise climática diante da recusa de nações produtoras de petróleo, como Arábia Saudade e Rússia, em aceitar a transição energética: a queima de petróleo, gás e carvão. No que pode ser considerada a maior derrota política da cúpula de Belém, e da diplomacia brasileira, a plenária dos países eliminou por completo expressões “combustíveis fósseis” ou “eliminação gradual” (“phase-out”, em inglês) do texto final aprovado neste sábado (22). O documento opta por eufemismos, falando em “reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões” e reconhecendo que a transição para o desenvolvimento de baixo carbono é “irreversível”. Mas ignora o “Mapa do Caminho”, como defendeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que contava com o apoio de pelo menos 80 países.

Na primeira Conferência das Partes (COP) realizada em um ambiente de plena participação social, sobretudo dos povos indígenas, o Brasil viu frustradas suas ambições por um acordo histórico na energia. No documento “Mutirão Global: Unindo a humanidade em uma mobilização global contra a mudança do clima”, o DNA da presidência brasileira – a cargo do embaixador André Corrêa do Lago – é explícito. O texto é repleto de simbolismos, cita a Amazônia em sua abertura e reconhece direitos fundamentais. Mas a “COP da Verdade” optou por uma verdade seletiva: pressionado por petroestados, a decisão final da COP30 removeu a menção  àquilo que está aquecendo o planeta..

“Amigos e amigas, sei que a maior parte de vocês estão cansados, mas como presidente dessa conferência, é importante reconhecer discussões muito importantes e que precisam continuar sob a presidência brasileira, mesmo que não estejam refletidas nesse texto”, desculpou-se Corrêa do Lago, na sua fala de abertura da plenária, iniciada às 12h. “Sei que muitos de vocês tinham ambição maior, sei que a sociedade civil vai nos cobrar para que façamos mais.” 

Em um discurso muito aplaudido, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apontou os avanços da COP30 e deu um tom de frustração para muitos aspectos das decisões. “Sonhávamos com muito mais resultados. Que esperávamos que a virada ambiental seria mais rápida, que a ciência seria suficiente para mover decisões, que a urgência falaria mais alto do que qualquer outro interesse” (leia na íntegra), disse ela, ao fazer uma comparação com a primeira COP, realizada em 1992, no Rio de Janeiro. 

Em seguida, citou as palavras do presidente Lula: “Apesar das nossas dificuldades e contradições, precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos.”

A ministra lamentou que não tenha havido consenso para incluir esse chamado nas decisões da COP, mas afirmou que o apoio recebido fortalece o compromisso da presidência em elaborar dois mapas do caminho: um para deter e reverter o desmatamento e outro para a transição justa e equitativa para longe dos combustíveis fósseis, ambos guiados pela ciência e de caráter inclusivo.

Marina destacou ainda que realizar a COP no coração da Amazônia ampliou o reconhecimento dos povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes, deu força à pauta da transição justa, lançou o TFFF e avançou no envio de NDCs por 122 partes, ainda que a missão de garantir o 1,5°C permaneça incompleta.

Ela agradeceu a presença das delegações em Belém, dizendo que o Brasil as recebeu “como gesto de amor à humanidade e ao equilíbrio do planeta”. E concluiu: “Talvez não os tenhamos recebido como vocês merecem, mas recebemos da forma como achamos que é o nosso gesto de amor à humanidade e ao equilíbrio do planeta.” A ministra se emocionou ao final do pronunciamento e foi aplaudida por 3 minutos ininterruptos. 

Delegações fizeram críticas

O embaixador brasileiro afirmou que embora o cronograma de eliminação dos combustíveis fósseis não tenha entrado no texto final da COP30, ele se empenhará pessoalmente na criação de dois roteiros até a próxima conferência. “Um como inverter o desmatamento e outro para transacionar para fora dos combustíveis fósseis de uma forma justa e igualitária”, disse. Corrêa do Lago anunciou apoio à realização, em abril de 2026, de uma conferência sobre o tema em Santa Marta, na Colômbia.

A chamada “COP da Adaptação” frustrou os negociadores. A representante do Panamá foi dura: “Queremos falar com substância, não podemos levar para um processo que nos caminha para trás. Não há metodologia, foram dois anos de trabalho substituídos por stakeholders. Não é assim que vamos conseguir a implementação”. 

Já a Colômbia criticou a decisão final da COP30 está longe de representar a “magnitude necessária” para a COP da Adaptação, sobretudo entre as populações mais vulneráveis. “O texto final não captura as expressões durante as negociações. Pouco tempo foi alocado para as discussões técnicas, resultando numa lista que não tem a ver com o método de tomada de decisão”, disse. E se colocou em objeção à aprovação do documento. Argentina, Uruguai, Paraguai, Canadá e bloco de países da União Europeia também manifestaram suas contrariedades.Essas manifestações de plenária entram em um relatório à parte, como uma espécie de posicionamento diplomático dos países que não querem endossar a decisão final. Mas não alteram a decisão.

No texto final, a Meta Global de Adaptação (GGA) saiu do papel com a aprovação dos “Indicadores de Adaptação de Belém”, trazendo métricas vitais para a Amazônia, como o monitoramento do estresse hídrico, doenças climáticas e a proteção do patrimônio cultural via conhecimento tradicional. Porém o que foi apresentado como legado técnico da presidência brasileira na COP, foi recebido com amargura. 

Em sua intervenção, o negociador de Serra Leoa denunciou que o resultado ignora o trabalho baseado em evidências dos especialistas, entregando um pacote de indicadores que são, em muitos casos, “pouco claros, não mensuráveis e inaplicáveis”. O diplomata africano expôs a frustração dos países que não têm margem para erro: “Que mensagem passamos quando o processo falha e diminui o trabalho dos especialistas? Para nós, isso não é técnico, é sobrevivência”.

Vitória indígena e lacuna quilombola

A maior vitória para os movimentos sociais e ambientais foi cravada no preâmbulo do texto do “Mutirão Global”. Blindada contra as tentativas de remoção de última hora, a decisão final da COP30 reconhece não apenas os direitos dos povos indígenas, mas especificamente os seus “direitos territoriais” (“land rights”). A ONU admite assim, no mais alto nível, que a demarcação de terras é uma ferramenta indispensável para manter a meta de 1,5°C viva.

O texto se declara “consciente de estar no coração da Amazônia” para enfatizar a importância de proteger os ecossistemas, mantendo a meta de “parar e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030”. Embora seja uma repetição de promessas anteriores, ancorá-la no local da conferência, Belém, aumenta a pressão sobre os países florestais para que entreguem resultados antes que a próxima década comece.

Batizado com o nome da cidade-sede, o “Plano de Ação de Gênero de Belém” (2026–2034) foi aprovado na plenária da COP30. O documento traz um avanço conceitual ao reconhecer mulheres indígenas e de comunidades locais como agentes de mudança, e não apenas vítimas. Ao anunciar a aprovação, neste sábado, Corrêa do Lago foi interrompido por uma salva de palmas efusivas dos negociadores. Nos bastidores, a diplomacia de países ricos, como Austrália e o bloco de países europeus, conseguiu barrar a inclusão do termo “quilombola“, restando a expressão genérica “mulheres afrodescendentes”. 

O plano apresenta uma tabela de atividades repleta de propostas para “workshops”, “webinars” e “capacitação”, mas falha em apresentar um mecanismo de financiamento direto, uma demanda dos povos indígenas da Amazônia. O risco é ter um plano de uma década que oferece muitos seminários, mas não garante os recursos para que as lideranças femininas da floresta cheguem às mesas de decisão.

A trava financeira

No quesito financeiro, a decisão final da COP30 transformou a urgência do “agora” em uma promessa para a próxima década. O texto estabelece a necessidade de escalar o financiamento para “pelo menos 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035”, somando fontes públicas e privadas. Para o curto prazo, a meta é mobilizar “pelo menos 300 bilhões de dólares” anuais para países em desenvolvimento. O apelo para “pelo menos triplicar” o financiamento de adaptação — dinheiro para obras contra cheias e secas — também foi jogado para o horizonte de 2035. Para quem vive na Amazônia e enfrenta fenômenos climáticos extremos, o socorro financeiro robusto ficou para daqui a dez anos.

Os documentos finais sobre a engenharia financeira da conferência revelam um sistema que tenta desburocratizar o acesso ao dinheiro, mas emite alertas de escassez. No Fundo Verde para o Clima (GCF), houve uma vitória dos movimentos sociais: a decisão final da COP30 encoraja a melhoria do “acesso direto não-governamental, incluindo para povos indígenas”, visando dispensar a intermediação estatal para que o recurso chegue aos territórios preservados. O fundo também celebra a redução do tempo de análise de projetos para “nove meses ou menos” e a criação de uma presença regional, medidas que tentam aproximar os cofres dos países ricos da realidade urgente da floresta.

Já no Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), acendeu-se um sinal vermelho. Há uma “preocupação com a possível diminuição” de recursos e nota a “ausência de uma sessão de promessas de doação” para os fundos voltados aos países menos desenvolvidos. Em resumo, enquanto um sistema (GCF) tenta abrir as portas para as comunidades da Amazônia, o outro (GEF) avisa que o dinheiro tradicional pode sumir, o que joga por terra as promessas de trilhões de dólares feitas nos discursos políticos nos últimos dias.

Turquia sediará COP31

O documento da COP30 institucionaliza a disputa comercial entre os Norte e Sul Globais. Em uma vitória da diplomacia brasileira e do grupo composto por China, Índia e África do Sul, o texto cria um calendário fixo para discutir o impacto de medidas unilaterais, como as taxas de carbono europeias, no comércio internacional. Foram agendados diálogos específicos sobre o tema para junho de 2027 e junho de 2028. 

Em um raro momento de franqueza, o documento final da COP30 sobre os Planos Nacionais de Adaptação, finalizado às 10h48 deste sábado, serve como uma confissão de insolvência. O texto admite que o financiamento para adaptação permanece “inadequado” e que essa lacuna atua como uma barreira para a implementação. Mais grave ainda, a ONU reconhece que, mesmo quando existem recursos, o “acesso atrasado” continua a “dificultar significativamente o progresso” da proteção contra o clima. Para a Amazônia, a ONU validou uma queixa histórica, a importância do “conhecimento dos povos indígenas” para guiar a adaptação, mas falha em entregar o cheque a tempo de evitar o desastre.

A governança climática empacou nesta COP30. O documento sobre o Mecanismo de Varsóvia para Perdas e Danos revela, após duas semanas de disputas em Belém, não se decidiu quem tem autoridade final sobre o órgão: se apenas o Acordo de Paris (onde os Estados Unidos preferem, para evitar responsabilidades históricas) ou também a Convenção do Clima. 

Uma nota de rodapé discreta, no melhor estilo dos jargões diplomáticos da ONU, admite o fracasso: “Nota-se que as discussões sobre a governança continuarão em novembro de 2026”. Na prática, quem precisa de socorro técnico imediato na Amazônia, na África ou em qualquer parte do mundo saberá que existem secretariados e comitês, com procedimentos bem definidos, mas que não poderão contar com a agilidade da resposta aos desastres climáticos.

O comitê financeiro da ONU definiu que o grande tema de debate para 2026 será o financiamento para “sistemas hídricos e oceanos”, uma decisão que coloca a crise da água no centro da agenda econômica global. O texto instrui o comitê a engajar com as comunidades na linha de frente, citando os povos indígenas, em uma tentativa de aproximar a tecnocracia dos bancos da realidade de quem vê os rios desaparecerem, como aconteceu nas duas últimas secas na Amazônia.

A ONU traz uma admissão de insolvência, ao reconhecer que a escala do financiamento atual permanece “insuficiente” e declara a necessidade de ampliar “dramaticamente” os recursos para adaptação nos países em desenvolvimento. O uso de um advérbio em uma decisão final confirma o que governos locais e movimentos sociais denunciam há anos: o sistema financeiro climático sabe que está falhando e, agora, oficializa no papel que a mudança de rota precisa ser drástica para evitar o colapso.

A COP30, que ocorreu de 10 a 22 de novembro em Belém, bateu o martelo para o próximo encontro, bem longe da floresta. A Turquia sediará a COP31 em 2026, fruto de um arranjo político que derrotou a candidatura da Austrália e cedeu a uma ilha do Pacífico apenas a reunião preparatória (pré-COP). Em 2027, a conferência segue para a Etiópia, garantindo que, pelos próximos dois anos, a discussão climática continuará no Sul Global.

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