COP30 cria movimento pelo fim dos fósseis

Conferência de Belém traz resposta pífia a financiamento climático e não responde à baixa ambição, mas presidente promete mapas do caminho sobre florestas e combustíveis fósseis

Solange Barreira, Observatório do Clima, 22 de novembro de 2025

Foi uma conferência de clima como nenhuma outra. A COP30, encerrada na tarde deste sábado (22/11) em Belém, teve coisas jamais vistas em outra COP: uma cúpula de líderes começando dias antes da abertura do encontro; um incêndio no pavilhão; e uma decisão pessoal do presidente de criar dois mapas do caminho que não puderam ser incluídos na decisão final da COP por oposição de alguns países.

Depois de ver decolar politicamente e de naufragar na negociação a proposta do presidente Lula de estabelecer na COP roteiros para implementar as decisões de Dubai de fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis e de parar e reverter o desmatamento até 2030, o embaixador André Corrêa do Lago anunciou, na plenária final de Belém, que estabeleceria os dois roteiros “de ofício”, usando sua presidência ao longo do ano que vem. A primeira parada é em abril, na Colômbia, país que sediará uma inédita conferência internacional pelo fim dos combustíveis fósseis.

A COP30 produziu um pacote de 15 decisões, sobre temas que vão de indicadores de adaptação à transição justa e gênero. Belém deu um passo importante ao decidir pelo desenvolvimento, até a COP31, de um mecanismo institucional para a transição justa, chamado pela sociedade civil de BAM (Mecanismo de Ação de Belém, na sigla em inglês). Esse foi um dos maiores avanços feitos na capital paraense. O texto reconhece diversos princípios relevantes e reafirma a importância do financiamento público para apoiar os países em desenvolvimento a fazerem a transição de forma justa e equitativa.

A “COP da adaptação” também adotou os indicadores da Meta Global (o GGA), embora em menor número do que inicialmente planejado e com resistências durante a plenária que interromperam a adoção das decisões, mas o martelo já havia sido batido e os pontos de ordem acabaram apenas sendo anotados. Foi criado um processo de dois anos de alinhamento de políticas para esses indicadores, a “Visão de Belém-Addis sobre adaptação”. Numa vitória histórica, as populações afrodescendentes foram incluídas pela primeira vez em textos da UNFCCC: tanto na decisão de capa da COP (Mutirão), quanto na decisão dos indicadores do GGA, no Plano de Ação de Gênero de Belém, e na decisão do Programa de Trabalho sobre Transição Justa. Outra vitória significativa para o movimento indígena foi o reconhecimento na decisão Mutirão dos direitos dos povos indígenas, incluindo seus direitos à terra.

Um documento político, o Mutirão Global, foi produzido sob liderança da presidência brasileira para lidar com quatro temas sensíveis e importantes que ameaçaram travar a conferência em seu início: a implementação do artigo 9.1 do Acordo de Paris, que trata do financiamento público que os países ricos devem prover aos países em desenvolvimento, e as medidas unilaterais de comércio, duas demandas dos países em desenvolvimento; a resposta à insuficiência das NDCs e à meta de temperatura de 1,5oC, demanda dos países-ilhas; e a resposta ao relatório-síntese dos Relatórios Bianuais de Transparência. O texto do Mutirão foi objeto das principais batalhas políticas de Belém, e terminou significativamente desidratado na queda-de-braço entre a União Europeia, de um lado, e os países árabes e do LMDC (bloco do mundo em desenvolvimento que inclui Índia, China, Arábia Saudita e Bolívia), de outro.

O Mutirão menciona uma nova meta de financiamento para a adaptação, mas a resistência dos ricos fez com que ela fosse significativamente enfraquecida. A meta ficou para 2035 ao invés de 2030, e apesar de fazer um chamado a triplicar o financiamento à adaptação, não há um ano base de referência claro. Além disso, a meta ficou vinculada à NCQG, a meta de financiamento acordada em Baku no ano passado, que inclui várias fontes de recursos, inclusive empréstimos, e políticas de adaptação e perdas e danos – frequentemente voltadas a regiões muito pobres e vulneráveis – não podem ser feitas com base em empréstimos.

O texto sobre medidas unilaterais de comércio é um pouco melhor, pois há o reconhecimento de que essas medidas são prejudiciais e fica criado um diálogo de três anos, atendendo o pleito dos países em desenvolvimento. Já o pedido desses países por um item para tratar do financiamento público foi uma vitória parcial. De fato, foi criado um programa de trabalho de dois anos para tratar do artigo 9.1 do Acordo de Paris, mas em conciliação com o posicionamento dos países desenvolvidos, esse item foi englobado no contexto maior do artigo 9, que engloba várias fontes de recursos e a NCQG.

A “COP da implementação” terminou com ganchos muito frágeis para a efetiva implementação do Acordo de Paris: um “Acelerador Global de Implementação”, dado na decisão do Mutirão, que tem o mandato vago de “apoiar os países” na implementação de suas metas. Ele incluirá um relatório a ser produzido pelas presidências das COPs 30 (Brasil) e 31 (Turquia) e entregue no fim de 2026. A “Missão de Belém para o 1,5oC”, com mandado semelhante, terá duração de três anos e será liderado pelas COPs 29, 30 e 31.

O resultado mais importante da COP30 aconteceu fora da agenda da conferência: em 6/11, quando a Cúpula de Líderes teve início, apenas um país apoiava essa proposta, o Brasil. Lula fez seu discurso de abertura ressaltando a necessidade de “superar a dependência dos combustíveis fósseis” e de eliminar o desmatamento, e inseriu as duas ideias no chamado político da cúpula. A proposta ganhou impulso ao longo das duas semanas de COP, com 82 países apoiando. Em paralelo, a Colômbia anunciou uma declaração contendo elementos do que seria um mapa de caminho justo e equitativo sobre fósseis, com quase 30 adesões, e a conferência de abril, com copatrocínio da Holanda. A proposta dos dois roadmaps chegou a ser inserida na primeira versão do Mutirão Global, mas foi abatida pelos países em desenvolvimento, que viram nos mapas do caminho um “quinto elemento” contrabandeado pela presidência num texto que tinha apenas quatro eixos acordados.

Apesar da recusa formal, que valeu uma grita do presidente Gustavo Petro (Colômbia) e uma tentativa do país sul-americano de bloquear o Programa de Trabalho sobre Mitigação na tentativa de inserir os fósseis no texto, o duplo movimento tornou o desenvolvimento do mapa do caminho de desmatamento incontornável, e criou uma onda para uma discussão global séria sobre combustíveis fósseis. Essa onda não arrebentou em Belém, mas ela deve crescer ao longo de 2026.

DECLARAÇÕES

“A presidência fez o que a COP não teve coragem: criou por declaração um processo para debater o assunto. Não temos uma decisão, mas temos algo pelo que lutar.” Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima

“Belém entregou o que era possível num mundo radicalmente transformado para a pior. Evitou a implosão do Acordo de Paris, hoje a única coisa a nos separar de um mundo 3oC mais quente. O Brasil, que foi o berço da Convenção do Clima, por pouco não se torna seu túmulo. Mas os resultados fracos da conferência, que precisou encontrar fora da agenda sua grande vitória política, comprovam o esgotamento do modelo das decisões por consenso e impõem a necessidade de reforma da UNFCCC e das COPs.” Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima

“O assunto mais importante dessa COP ficou fora das decisões formais. Apesar de um crescente apoio de países ao chamado do Presidente Lula para a construção de mapas do caminho para acabar com o desmatamento e se afastar dos combustíveis fósseis, não foi possível dentro do processo formal da UNFCCC que exige consenso para a tomada de decisões. Mas isso não é o fim. No ano de 2026, veremos o processo para esses mapas a partir do chamado independente da presidência da COP30, teremos a conferência na Colômbia e haverá um relatório para a COP31, onde colocaremos mais uma vez o multilateralismo em teste e lutaremos para que enfrente as causas da crise climática e seja capaz de limitar o aquecimento a 1.5oC.” Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima

“A presidência brasileira da COP30 entregou o que era possível em um contexto geopolítico extremamente desafiador. A adoção do Pacote Político de Belém é uma vitória do multilateralismo. Por outro lado, sua lacuna de ambição deixa claro que o caminho pós-COP30 demandará coragem política para promover as transformações que levem o mundo a uma trajetória compatível com os objetivos do Acordo de Paris.” Maiara Folly, diretora executiva da Plataforma CIPÓ

“A COP30 marcou um avanço decisivo na integração entre oceano e clima. Os países reforçaram o papel crucial dos ecossistemas marinhos para mitigação e adaptação, enquanto novas iniciativas — como o Blue NDC Challenge e sua força-tarefa de implementação e o “Pacote Azul” da agenda de ação — começam a transformar ambição em ação concreta, com mais espaço para a discussão sobre caminhos de financiamento para soluções baseadas no oceano. O Brasil teve protagonismo, articulando ciência, conservação e política climática, criando um verdadeiro Mutirão Azul. Apesar de lacunas no texto final, especialmente na implementação, Belém deixou claro que incorporar um oceano saudável ao centro das discussões da UNFCCC não é apenas possível, mas indispensável para acelerar reduções de emissões e medidas de adaptação rumo à COP31.” Marina Corrêa, analista de conservação do WWF-Brasil

“A COP30 marca um divisor de águas: reconhece que a ação climática vai além das salas formais da UNFCCC. A distância entre a força social e as páginas frágeis do acordo mostra que as soluções vêm das pessoas e dos territórios. É um sinal claro das limitações da governança global, mas também um convite para um futuro de luta, colaboração e esperança. Acho impossível não se emocionar com tudo o que aconteceu nas últimas duas semanas, independentemente do resultado formal das negociações. Muitas vitórias das que realmente importam, como a inclusão de afrodescendentes no texto e a menção aos direitos territoriais dos povos indígenas e ao CLPI (Consulta Livre, Prévio e Informado), são passos históricos que ajudam a garantir direitos.” Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional do WWF-Brasil

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira com atuação na agenda climática. Reúne hoje 162 integrantes, entre organizações socioambientais, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável. O OC publica desde 2013 o SEEG, estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa no país.

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