A pressão dos países produtores de petróleo leva a COP30 ao fracasso
Sem um acordo ambicioso e sem a referência no texto final ao roteiro para o abandono definitivo dos combustíveis fósseis, o único avanço digno de nota foi a criação do Mecanismo de Belém para a Transição Justa, cujo funcionamento ainda está por concretizar.
Pablo Rivas, El Salto, 22 de novembro de 2025. Tradução do Esquerda.net de Portugal.
Às vezes, a própria realidade torna-se uma metáfora de si mesma, e foi exatamente isso que aconteceu no penúltimo dia da 30ª Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima (COP30), em plena agitação para o acordo final: um incêndio devorava parte do recinto da zona azul — a área destinada às delegações oficiais — e obrigava a interromper as negociações. Não houve feridos, mas as consequências do que foi finalmente acordado em Belém – disso não há margem para dúvidas – irão certamente causar feridos, agravadas pela ausência de pesos pesados no que diz respeito às emissões de gases com efeito de estufa, como os Estados Unidos.
A COP30 estava destinada a ser um encontro crucial. Não só pelas efemérides que se comemoravam — dez anos do Acordo de Paris, vinte da entrada em vigor do Protocolo de Quioto, 80 da criação da ONU —, mas também pela urgência do momento. Um planeta assolado por fenómenos extremos que já está a ultrapassar o limite que as nações se impuseram em 2015 — não ultrapassar a fronteira de 1,5 °C de aquecimento global médio em relação aos níveis pré-industriais — impunha urgência.
Não foi assim. A declaração política final da Cimeira e os textos que a acompanham, embora reflitam alguns avanços não muito concretos, como a implementação do Mecanismo de Belém para a Transição Justa, ficam muito aquém das expetativas de uma presidência brasileira que tinha colocado a fasquia muito mais alta, mas que foi travada por uma união de países petrolíferos e nações nas mãos de governos partidários de atrasar — quando não torpedear — a luta contra a crise climática.Sem um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis nem um plano concreto para deter a desflorestação – as duas apostas iniciais da presidência –, o acordo final, apesar de ter sido assinado pelos participantes, representa uma vitória das posições mais retrógradas.
A principal falha é que a aposta da presidência em matéria de mitigação fracassou e não há menção ao tão propalado roteiro para o fim dos combustíveis fósseis, algo que constava na primeira versão do texto final apresentado na terça-feira, dia 18. No segundo, publicado na madrugada de sexta-feira, dia oficial do fim da COP, o referido roteiro desapareceu, assim como qualquer menção aos combustíveis fósseis, algo que havia sido conseguido pela primeira vez na COP28 de Dubai há dois anos. Também não se apostou noutro dos objetivos de Lula da Silva: intensificar a luta contra a desflorestação para preservar os grandes sumidouros de carbono vegetal do planeta.
Perante um fracasso total, a menos de 24 horas do fim da COP e diante da falta de progressos, 37 países — entre eles a Espanha — mobilizaram-se para restabelecer “o equilíbrio, a ambição e a credibilidade do processo”, conforme indicava uma carta enviada pelo governo espanhol à presidência da COP. A denúncia, que refletia o sentimento geral, rejeitava a última versão preliminar apresentada antes do texto oficial por não cumprir “as condições mínimas exigidas para um resultado credível da COP”. A vice-presidente espanhola, Sara Aagesen, participou na sexta-feira numa conferência de imprensa conjunta de vários países, promovida pela Colômbia — país que anunciou uma conferência paralela à Cimeira do Clima das Nações Unidas para buscar o fim dos combustíveis fósseis — para pressionar por uma maior ambição “Não é suficiente”, disse ela sobre o texto. “Viemos com um objetivo claro: não ultrapassar o limite de 1,5 °C”, acrescentou, ao mesmo tempo que salientava que “temos de trabalhar e temos tempo para fazer melhor”.
No mesmo sentido, as organizações ambientalistas rejeitaram em bloco a proposta “O texto representa um típico empurrar com a barriga”, sentenciou Javier Andaluz, responsável pela Energia e Clima da Ecologistas en Acción, a partir de Belém. “Não consegue, em caso algum, aumentar a ambição, proteger as florestas, nem aumentar o financiamento climático necessário. Este não é o Mutirão que nos prometeram” acrescentou Eva Saldaña, diretora executiva da Greenpeace Espanha, referindo-se à palavra que em guarani-tupí significa “esforço coletivo” e que Lula da Silva utilizou para se referir ao texto final de Belém.
Andaluz também denunciou a forma de agir da presidência durante o encontro “As negociações foram as mais obscuras da história”, disse ele sobre a publicação dos rascunhos dos acordos, “com uma presidência brasileira que não divulgou textos para serem avaliados pelas organizações da sociedade civil e pela imprensa presente na COP30”.
A tensão aumentou neste sábado, no tempo de compensação de uma COP que deveria ter sido encerrada na sexta-feira, com a última tentativa da presidência brasileira de chegar a um acordo que, embora pretendesse que a Cimeira não fosse encerrada sem um texto assinado pelos participantes, cedeu às nações mais beligerantes com o abandono do petróleo, do gás e do carvão. Perante o enésimo abuso após 30 anos de cimeiras sobre o clima, a Colômbia e o Panamá vetaram o texto cujo apoio a presidência pretendia forçar. A primeira fê-lo pela falta de menção específica aos causadores da crise climática: os combustíveis fósseis.
O segundo, pela falta de coerência nos indicadores acordados para medir os progressos em matéria de adaptação às alterações climáticas, uma opinião partilhada por vários países. Não foi possível. Países produtores de petróleo como a Arábia Saudita ou a Rússia, juntamente com países em desenvolvimento afins, como o grupo LMDC (Like-Minded Developing Countries), uma coligação de nações para as negociações climáticas cujos membros incluem a China, a Argélia, o Egito, o Paquistão, a Índia, o Irão ou a Venezuela, não cederam e a COP, que pretendia dar uma reviravolta na política climática dos últimos anos, encerra com um fracasso retumbante.
O que começa mal, acaba mal
A Cimeira já começou mal. Inicialmente concebida como uma COP centrada na mitigação e em ampliar a ambição climática – ou seja, decidida a aumentar as percentagens de descarbonização global –, não contou com o empenho e a seriedade necessários dos países do planeta, pois a maioria não apresentou atempadamente os seus planos nacionais de descarbonização. Falhou até mesmo a União Europeia, que até recentemente era o farol a ser seguido dentro dos limitados avanços das COP. Embora esses planos, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), devessem estar prontos meses antes da Cimeira do Clima, apenas 79, um terço dos signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CMNUCC), os tinham prontos, o que não permitiu um bom trabalho de análise e síntese por parte da comunidade científica para o seu trabalho na Cimeira.
Embora durante as duas semanas da Cimeira o número tenha subido para 118 (representando 73% das emissões globais), o trabalho de mitigação da crise climática ficou muito afetado, e o fracasso na implementação do roteiro para o fim dos combustíveis fósseis confirmou o que desde o início não parecia promissor. “Os objectivos de redução de emissões estão muito longe do necessário e estes textos não ajudam a salvar a lacuna de ambição de 1,5 °C global nem a impulsionar os países a agir”, lamentou Saldaña.
O que pareceu ser um bom impulso inicial foram as palavras do presidente anfitrião, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação da presidência brasileira. Esta estava decidida a mudar o rumo das últimas cimeiras sobre o clima, realizadas em países produtores de petróleo e pouco amigos da sociedade civil organizada, e conseguiu fechar a agenda da cimeira no primeiro dia, algo sem precedentes. Além disso, promoveu a presença de populações indígenas e povos originários com a Aldeia COP30 e apoiou a presença de movimentos sociais e da sociedade civil numa Cimeira dos Povos que, embora não tenha tido um tapete vermelho para entrar na zona azul das negociações, desfrutou da primeira COP sem repressão desde a realizada em Glasgow em 2021. Mas as obstruções de uma comunidade internacional que não quis encarar o problema acabaram com as aspirações cariocas. É preciso lembrar que 1.600 delegados oficiais participantes da COP têm laços diretos com a indústria petrolífera, como denunciou a aliança Kick Big Polluters Out (KBPO, Expulsemos os grandes poluidores), o que dá uma ideia do poder do lóbi das energias causadoras da crise climática nas Cimeiras do Clima.
O Mecanismo de Ação de Belém (BAM) ou Mecanismo de Belém para a Transição Justa parece ser a principal conquista que Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu alcançar. Trata-se de um instrumento para facilitar e promover uma transição energética nos países do sul, facilitando tecnologia e financiamento aos países com menos recursos, sem contrapartidas na forma de dívida, e eliminando obstáculos como possíveis reclamações de investidores, falta de fundos ou disputas fronteiriças.
Os movimentos ecologistas comemoraram a notícia. “É algo fundamental para unir a redução de emissões com o financiamento que seria necessário”, apontou Javier Andaluz. No entanto, este ativista e especialista em negociações climáticas lamentou que “o texto apenas aprova o mecanismo sem lhe atribuir características, funções ou objeto”. Isso significa que será em reuniões futuras que se concretizará uma nova desaceleração dos processos relativos à mitigação da crise climática e seus impactos. Para que isso aconteça, foi fundamental o bloqueio ao BAM realizado pela UE, que não via o novo mecanismo com bons olhos e “impediu a definição de um mandato mais claro do mecanismo para que ele pudesse iniciar imediatamente o seu trabalho; serão necessários pelo menos mais dois anos de diálogo para que isso seja possível”, denunciam desde a Aliança pelo Clima, a maior rede de organizações em prol da luta climática do Estado espanhol.
Apesar de o BAM pressupor algo a este respeito – que será necessário esperar para ver como se concretiza –, o financiamento climático, especialmente o dedicado à adaptação e mitigação das alterações climáticas nos países do Sul global, foi outro dos grandes perdedores, como já vinham alertando as organizações da Cimeira dos Povos ao longo da semana. Se em Baku o acordo mínimo alcançado ficou muito aquém das necessidades reais – com apenas 300 mil milhões de dólares de fundos públicos comprometidos até 2035 e uma proposta não concretizada para somar 1,3 biliões através de financiamento privado, que foi uma promessa vazia, longe dos 10 biliões que se estimam necessários – o grupo dedicado a discutir o chamado Roteiro de Baku a Belém (B2B) para aumentar esse financiamento não conseguiu muitos avanços concretos. O texto pede às Partes que tripliquem o financiamento para a adaptação climática do Sul global nos próximos dez anos, o que representa um retrocesso em relação ao primeiro rascunho apresentado, que falava de 2030 e não de 2035.
Sem um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis nem um plano concreto para deter a desflorestação – as duas apostas iniciais da presidência –, o acordo final, apesar de ter sido assinado pelos participantes, representa uma vitória das posições mais retrógradas e um fracasso para a ação de combate às alterações climáticas. Como observou Luca Bergamaschi, cofundador do think tank italiano Ecco Climate “esta foi a COP das duras verdades: a ação climática multilateral continua viva, mas a um ritmo demasiado lento para colmatar a lacuna em direção à segurança climática”.
Pablo Rivas é Coordenador de Clima e Meio Ambiente no jornal online El Salto. Artigo publicado em El Salto.

