Giro da Semana #002
Uma curadoria de notícias feita por José Corrêa Leite e apresentado por Isabela Andrade e Amanda Schulz.
Para quem prefere ler…
Brasília assistiu, na semana que passou, uma ‘briga de cachorros grandes”, com a aceleração do esforço de aprovar uma regulação das plataformas digitais. A Câmara dos Deputados passou por cima da pressão das big techs e dos partidos de extrema-direita e aprovou na terça-feira, por 238 votos a 192, um requerimento de urgência para a votação do Projeto de Lei das Fake News, que estava em debate há três anos. Com isso, o texto não precisa ser discutido nas comissões da Câmara e vai direto para o plenário. Sua votação está prevista para a próxima semana. Depois ele volta ao Senado para a aprovação final.
Os anúncios e conteúdo que circulam na televisão ou na mídia são públicos e as empresas podem ser fiscalizadas e responsabilizadas. Mas as plataformas personalizam os seus anúncios e não querem que o que circulam seja fiscalizado. A lei regulamenta as redes sociais e aplicativos de mensagens e combate a desinformação e o estímulo à violência na internet.
O Projeto de Lei estabelece o “dever de cuidado”, que obriga as plataformas a fiscalizar materiais veiculados e impedir a propagação de conteúdos críticos - como aqueles que possam estimular ou disseminar crimes contra crianças e adolescentes, golpe de Estado e atos de terrorismo. Ela obriga as plataformas a darem transparência no que veiculam e a retirarem no ar, 24 horas após decisões judiciais, os conteúdos considerados ilícitos.
A Justiça Federal de Linhares atendeu, na quarta-feira, um pedido da Polícia Federal e tirou do ar o serviço de mensagens Telegram. Aplicou também uma multa de R $1 milhão diário. O Telegram se recusou a fornecer informações sobre o conteúdo neonazista acessado pelo assassino de 16 anos que atacou duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, no final do ano passado. O serviço já foi tirado do ar outras vezes, por não cumprir decisão da Justiça, mas sempre voltava impune. No sábado, mais uma vez um desembargador barrou a suspensão e permitiu o restabelecimento do serviço do Telegram, mantendo a multa.
O STF formou maioria, na quinta-feira, para tornar réus mais 200 acusados de participar nos atos golpistas de 8 de janeiro. 100 pessoas já tinham se transformado em réus na semana anterior. Das 1390 pessoas presas na ocasião, 294 permanecem encarceradas em Brasília. Até o momento ninguém foi denunciado por financiar ou idealizar os atos de vandalismo.
Em uma iniciativa inédita, 42 senadores assinaram um requerimento para que o ministro Alexandre de Moraes autorize visitas ao ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, que está preso em Brasília. Querem também, por uma “questão humanitária”, que Torres responda em liberdade pela omissão durante os ataques de 8 de janeiro. Tanto Alexandre de Moraes quanto Luis Roberto Barroso já rejeitaram pedidos de libertação de Anderson Torres. A Polícia Federal tambémsuspeita que Torres, quando ministro da Justiça, viajou à Bahia, na véspera da eleição, para pressionar a Polícia Rodoviária Federal a interceptar ônibus para que eleitores petistas não pudessem votar.
Já chegam a 87 os servidores afastados do Gabinete de Segurança Institucional por Ricardo Cappelli, o ministro interino da pasta que assumiu o cargo com a saída do general Gonçalves Dias. 24 deles são militares de alta patente. Funcionários do Gabinete aparecem em imagens gravadas em 8 de janeiro interagindo com os invasores do Palácio do Planalto. O Gabinete, que no governo Bolsonaro era chefiado pelo general Augusto Heleno, tinha, até as demissões, 1014 funcionários, sendo 881 militares e 133 civis. Era considerado o principal centro de articulação do bolsonarismo no governo federal.
O Congresso continua discutindo o projeto de arcabouço fiscal enviado pelo governo. O Senado Federal organizou na quinta uma sessão temática sobre juros com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente bolsonarista do Banco Central, Roberto Campos Neto. Ele argumenta que é necessário manter a taxa de juros alta por causa da inflação. Mas segundo a Fundação Getúlio Vargas, o índice de inflação já apresenta uma queda de 2,17% em 12 meses. Em um evento em Madrid, dois dias antes, o presidente Lula voltou a criticar a taxa de juros, dizendo que é impossível fazer investimentos no Brasil com a taxa a 13,75% ao ano.
As dificuldades em sintonizar gastos públicos, taxa de juros e metas de inflação, levaram o governo a aumentar o salário mínimo em apenas 18 reais a mais. Apesar disso, o Brasil conheceu a menor taxa de desemprego no primeiro trimestre em 8 anos e a semana terminou com o dólar caindo abaixo dos 5 reais.
Lula esteve, na sexta-feira, no encerramento do Acampamento Terra Livre, promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. 6 mil indígenas acamparam em Brasília, pedindo mais demarcações e se manifestando contra o Marco Temporal, em julgamento no STF. No Acampamento, Lula assinou decretos de homologação de seis terras indígenas, os primeiros em cinco anos, incluindo 3.715 indígenas em 6.128 quilômetros quadrados. Jair Bolsonaro tinha parado todos os processos, afirmando que não faria nenhuma demarcação em seu governo. Elas se somam às 732 áreas indígenas já demarcadas no Brasil, que protegem os biomas em 13,8% do território brasileiro.
O Parlamento Europeu aprovou, na quarta, uma lei que fecha as portas à importação de produtos agropecuários procedentes de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Ela vai agora para a ratificação dos 27 países-membros. É a primeira lei do mundo para acabar com o desmatamento importado. As empresas que desejarem importar estes produtos deverão também garantir que foram produzidos respeitando os direitos humanos e dos povos indígenas. A lei vale para as importações que qualquer país, afetando uma ampla lista de produtos. Mas o agronegócio brasileiro reagiu preocupado principalmente com a soja, madeira e carne bovina. O senador Zequinha Marinho, do Partido Liberal do Pará, protestou, dizendo que “a agricultura brasileira sofre cada vez mais com a atribuição de falsas narrativas, construídas por temer o poder desse setor".
A articulação política do governo não jogou peso para demover o presidente da Câmara, Arthur Lira, de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Isso desagradou lideranças do movimento, aliado histórico do PT e do presidente Lula. Parlamentares governistas buscam agora articular estratégias para esvaziar a CPI ou impedir sua instalação, argumentando que ela não tem objeto definido. Desde 2003, MST foi investigado em quatro comissões no Congresso.
O coordenador nacional do Movimento, João Paulo Rodrigues, reagiu aos pedidos de moderação afirmando que o grupo sempre defenderá o governo do presidente Lula, mas que não é “correia de transmissão” da gestão do petista nem aceita “nenhum tipo de coleira ou focinheira” sobre a organização. “O governo é nosso, nós ajudamos a construir. Mas o MST tem autonomia em relação ao PT e ao governo”, declarou em entrevista à Folha de S.Paulo.
Em paralelo, em Brasília, a Câmara dos Deputados acelerou a tramitação de uma proposta de emenda constitucional que anistia os partidos políticos pelas infrações cometidas nas últimas eleições como propaganda irregular ou abusiva ou descumprimento de cotas de gênero e raça.
Em outros destaques da semana, Lula consolidou seu recuo, na viagem à Portugal e Espanha, na posição sobre a Ucrânia. Tinha afirmado que o país invadido também era responsável pela guerra e agora teve que reconhecer que a Rússia era o agressor. Sua ambição de se colocar como mediador do conflito vem se mostrando mais difícil do que imaginava. Em Portugal, Chico Buarque foi a estrela da festa, ao receber, com cinco anos de atraso, o prêmio Camões, que Jair Bolsonaro se recusava assinar.
A guerra civil no Sudão, entra na sua segunda semana, e já deixou mais de quatrocentos e vinte mortos. Ela é o resultado da crise entre dois caudilhos do Sudão, o General Abdel Fattah Al Burhan, o chefe das forças armadas e autor do golpe de Estado de Outubro de 2021, e o General Mohamed Hamdan Dagalo, que chefia as Forças de Apoio Rápido. Os dois querem ter o controle total do país, buscando deixar de lado os representantes civis e os movimentos sociais que derrubaram a ditadura de Omar Al Bachir em 2018. Alguns analistas destacam que essa seria também uma guerra por procuração entre o Egito e a Etiópia. Os estrangeiros estão abandonando o país na medida em que os conflitos acontecem em torno do controle da capital do país, Cartum.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, do Partido Democrata, lançou-se como candidato à reeleição em 2024. Os conservadores organizados no Partido Republicano estão divididos entre os apoiadores do ex-presidente Donald Trump e o governador do estado da Flórida, Ron De Santis.
A União Europeia oficializou a taxação verde de produtos importados. O Parlamento Europeu aprovou cinco leis para reduzir as emissões de gases do efeito-estufa. A mais importante é a que cria o imposto de fronteira sobre carbono a partir de 2026. É a primeira taxa de carbono sobre importações do mundo, a partir dela os produtos estrangeiros se tornarão mais caros se causarem alta emissão. As leis também incluem novos setores da economia, como a aviação e o transporte marítimo, no mercado de créditos de carbono.
Noticiários pelo mundo estão destacando que em abril, a Índia ultrapassou a China como o país mais populoso do mundo. A Índia deve ter atingido a população de 1,425 bilhões de habitantes. Enquanto isso, a população da China começou a cair no ano passado. Apesar das taxas de natalidade também estarem diminuindo na Índia, a população do país ainda vai seguir crescendo por algumas décadas. A queda das taxas de fertilidade, que assusta governos e conservadores religiosos, ta acontecendo em boa parte do mundo. Ela é impulsionada pela urbanização e pela melhoria das condições de vida, tipo maior escolaridade e emancipação feminina.
*O Giro da Semana é um podcast gravado em São Paulo. O texto é de José Corrêa Leite, editado por Isabela Andrade.