Giro da Semana #001
Uma curadoria de notícias feita por José Corrêa Leite e apresentado por Isabela Andrade e Amanda Schulz.
Para quem prefere ler…
Com o feriado de Tiradentes, a semana política ficou mais curta mas ainda assim bem movimentada. O cerco judicial aos golpistas do 8 de janeiro vem aumentando. Por oito votos a zero, o STF alcançou maioria para transformar em réus os primeiros 100 dos 1309 bolsonaristas acusados de participarem dos atos na Praça dos Três Poderes.
A situação continua se complicando pro Anderson Torres, que é ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Na quinta-feira, o Alexandre de Moraes manteve a prisão preventiva dele, por terem surgido novas evidências da sua participação na tentativa de dificultar a votação no segundo turno das eleições de 2022.
A Polícia Federal marcou para a próxima quarta-feira, dia 26, o depoimento de Bolsonaro no inquérito que apura quem foram os iniciadores dos atos de 8 de janeiro. Enquanto isso, segue avançando o inquérito no Supremo Tribunal Eleitoral (STE) em que Bolsonaro é acusado de ter atacado o sistema eleitoral brasileiro. Em julho de 2022, ele levantou suspeitas contra as urnas eletrônicas em uma reunião com embaixadores no Palácio do Planalto, mais uma vez, sem provas do que falava. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, vai fazer o resumo do processo e pronunciar o voto sobre a matéria nos próximos dias. /Depois, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, deve marcar a data do julgamento. As apostas são que a corte pronunciará a inelegibilidade de Bolsonaro.
O governo enfrentou uma dificuldade inesperada com o vazamento de um vídeo das câmeras de segurança do Palácio do Planalto. Na terça-feira, a rede CNN Brasil divulgou um vídeo com novas imagens do 8 de janeiro, em que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional do governo Lula, general Gonçalves Dias, parece estar facilitando a movimentação dos golpistas ao Palácio do Planalto. No vídeo, é possível ver militares do GSI abrindo a porta, dando orientações sobre os caminhos dentro do palácio e até servindo água para os invasores. O Gabinete tinha colocado o vídeo em um sigilo de cinco anos. /Na quarta-feira, dia 19, o general foi demitido da chefia do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Foi a primeira demissão de um ministro do governo. No seu lugar, fica agora o secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli.
O Gonçalves Dias é um dos poucos militares que têm uma relação de confiança com Lula, e foi responsável por sua segurança de 2002 a 2010. Lula acredita que o general não traiu ele, mas não tinha mais condições de se manter no cargo. No depoimento à Polícia Federal na sexta-feira, dia 21, Gonçalves Dias afirmou que a falta de reação do governo no dia 8 de janeiro resultou de “um apagão geral do sistema pela falta de informações para tomada de decisões”.
A divulgação das imagens e a demissão do general tornaram inevitável a instalação de uma Comissão de Inquérito de parlamentares, uma CPMI, no Congresso sobre o 8 de janeiro. O governo tentava bloquear essa iniciativa da bancada parlamentar bolsonarista, onde os defensores do ex-presidente queriam acusar o governo Lula de omissão na reação aos atos terroristas. Agora, eles insinuam que os mentores dos atos seriam petistas infiltrados.
Porém, o acirramento da disputa de narrativas pode se voltar contra Bolsonaro. Como a criação da CPMI se tornou incontornável, os apoiadores do governo estão reagindo. Eles passaram a apoiar sua criação e vão lutar pra ficar a frente do processo. Se der certo, vão buscar detalhar os movimentos do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores que levaram à invasão das sedes dos Três Poderes, aumentado a pressão para ele ser preso.
O segundo problema enfrentado pelo governo na semana que passou foi a repercussão das declarações de Lula em sua viagem à China e aos Emirados Árabes Unidos, onde ele disse que tanto a Rússia como a Ucrânia são responsáveis pela guerra.
Lula aposta em intensificar as relações comerciais com a China, mas também com a Rússia e a Índia. Ele assinou 15 acordos comerciais em sua viagem à China e busca ampliar as exportações brasileiras, que hoje são principalmente soja, carne, minerais e petróleo. Também assinou um acordo com a China que permite que o comércio entre os dois países utilize suas próprias moedas nacionais, o yuan e o real, e não o dólar. Esta é uma política que a China vem buscando para diminuir o papel central do dólar na economia mundial. Durante a viagem, a ex-presidente Dilma Roussef foi empossada como presidente do Banco dos BRICS, que tem sua sede na China.
Mas o ponto que atraiu mais atenção da mídia e dos demais governos foram as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia. O presidente brasileiro tem ambição de ter um protagonismo pessoal com um papel de mediação na guerra. Só que isso é um campo minado, que envolve as relações não só com a Ucrânia invadida e com a Rússia invasora, mas com os Estados Unidos e a Alemanha, que apoiam a Ucrânia, é também com a China. A saída para a guerra vai ter que ser negociada, com concessões mútuas, mas nenhum dos envolvidos acha que as condições para isso estejam dadas hoje.
Quando Lula afirmou que tanto a Rússia como a Ucrânia têm responsabilidade no conflito, assumiu a posição da China, que em fevereiro apresentou um plano de paz de 12 pontos, que não exige a retirada prévia da Rússia do país invadido. A China é o único país que tem condições de pressionar de forma não militar pela abertura de negociações, por conta da crescente dependência da Rússia frente ao governo de Beijing. As reações dos Estados Unidos e dos países da União Europeia foram contundentes, e cobraram de Lula uma retificação da sua posição.
Em discurso no Itamaraty, na terça-feira, Lula teve que recuar e afirmou que a posição brasileira adotada nas Nações Unidas é de compromisso com a defesa da inviolabilidade de fronteiras de países soberanos. Ele disse: "Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política e negociada para o conflito".
Na quinta-feira, dia 21, Lula embarcou em uma nova viagem internacional, agora para Portugal e Espanha, onde fica por seis dias. Além da entrega do Prêmio Camões para Chico Buarque de Holanda, que foi atribuído a ele em 2019 e que Bolsonaro se recusava a assinar, vai estar em também pauta a guerra na Ucrânia e o acordo União Europeia-Mercosul.
A grande iniciativa do governo na semana foi encaminhar a proposta de lei complementar que cria o novo arcabouço fiscal ao Congresso, apresentado terça-feira para discussão. Ele retoma o que já tinha sido divulgado em 30 de março.
Se trata de uma flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal, que desde o ano 2000, regula os gastos públicos no Brasil. Pela nova lei, o descumprimento da meta não será mais uma infração da Lei, que foi o pretexto adotado para o impeachment de Dilma Roussef da presidência em 2016.
Mas a nova lei fiscal estabelece critérios muito rígidos para os gastos do governo, definidos por três fatores:
1) as metas de resultado primário para cada ano, que significa a diferença entre receitas e despesas;
2) um intervalo para o crescimento real das despesas;
3) um limite para o crescimento das despesas de 70% do aumento das receitas. Os repasses constitucionais de recursos e doze outras despesas não entram no novo teto de gastos. Segundo os autores do projeto, isso vai permitir um ajuste gradual e a estabilização da dívida pública para 75% do PIB em 2026.
A nova lei foi elaborada dentro da visão de austeridade fiscal dominante no setor financeiro que é defendida pelos economistas neoliberais ortodoxos. Essa visão também orienta a política monetária, que hoje está nas mãos do Banco Central dirigido por Roberto Campos Neto e sobre a qual o governo não tem qualquer controle. Tudo isso deve restringir muito a capacidade de investimento e de bancar serviços públicos do governo federal e a capacidade de crescimento da economia brasileira.
O arcabouço fiscal vem sendo elogiado pelo setor financeiro e pela direita e criticado pela esquerda, dentro e fora do PT, ganhando por aí o apelido “calabouço fiscal”.
*O Giro da Semana é um podcast gravado em São Paulo. O texto é de José Corrêa Leite, editado por Isabela Andrade.