Reconhecer a Palestina não vai parar o genocídio em Gaza – sanções contra Israel sim
Fala-se de um “tsunami” diplomático em Israel, sabendo-se que ele não chegará às costas israelitas se o reconhecimento não for acompanhado da imposição de um preço a pagar pelo genocídio.
Gideon Levy, Esquerda.net, 15 de agosto de 2025
O reconhecimento internacional de um Estado palestiniano é uma recompensa para Israel, que deveria agradecer a cada um dos países que o fazem, porque esse reconhecimento é uma alternativa enganosa àquilo que realmente tem de ser feito: a imposição de sanções.
O reconhecimento é um substituto errado para os boicotes e as medidas punitivas que devem ser tomadas contra um país que está a perpetrar um genocídio. É apenas uma ilusão que os governos europeus fracos e hesitantes utilizam para mostrar à sua opinião pública indignada que não estão calados.
Reconhecer um Estado palestiniano, que não existe e que não existirá num futuro próximo, se é que alguma vez existirá, é um silêncio vergonhoso. O povo de Gaza está a morrer à fome e a resposta da Europa é reconhecer um Estado palestiniano. Será que isso vai salvar os famintos de Gaza? Israel pode ignorar estas declarações com o apoio dos Estados Unidos.
Fala-se de um “tsunami” diplomático em Israel, sabendo-se que ele não chegará às costas israelitas se o reconhecimento não for acompanhado da imposição de um preço a pagar pelo genocídio.
O primeiro-ministro britânico Keir Starmer, um dos primeiros a reconhecer a Palestina na atual vaga, depois da França, excedeu-se. Apressou-se a apresentar a sua ação como um castigo (condicional), cumprindo assim o seu dever. Se Israel se comportar bem, prometeu, o seu dedo acusador será retirado.
De que tipo de sanção estamos a falar, senhor primeiro-ministro? Se pensa que o reconhecimento da Palestina faz parte de uma solução, por que é que o apresenta como uma sanção? E se se trata de uma medida punitiva, onde está ela?
É o que acontece quando o medo de Donald Trump se abate sobre a Europa e a paralisa, quando é evidente que quem impuser sanções a Israel pagará o preço. De momento, o mundo prefere a conversa fiada. As sanções são eficazes contra as invasões russas, não contra as israelitas.
A decisão de Starmer levou muitos outros a seguir-lhe o exemplo, apresentado em Israel como um maremoto diplomático, um verdadeiro tsunami. Isso não vai parar o genocídio, que não pode ser parado sem medidas concretas da comunidade internacional. Estas são insuportavelmente urgentes, enquanto prosseguem os massacres e a fome em Gaza.
O reconhecimento não dará origem a um Estado. Como disse uma vez a dirigente dos colonatos, Daniella Weiss, após uma anterior vaga de reconhecimentos: “Abro a minha janela e não vejo um Estado palestiniano”. Nem verá um tão cedo.
A curto prazo, Israel beneficia com esta onda de reconhecimento, porque ela substitui a sanção que Israel merece. A longo prazo, o reconhecimento de um Estado imaginário poderia ser interessante, porque suscita a necessidade de encontrar uma solução.
Mas é preciso uma dose incrível de otimismo e de ingenuidade para acreditar que o reconhecimento ainda é pertinente. Nunca houve pior altura; o reconhecimento é agora um assobio para o ar. Os palestinianos não têm líder e os dirigentes israelitas fizeram tudo para impedir esse Estado, e conseguiram-no.
É bom que o nº 10 de Downing Street queira um Estado palestiniano, mas enquanto Jerusalém não o quiser, com o colonato extremista de Yitzhar empenhado na destruição das propriedades palestinianas e a fortalecer-se com o apoio cego de Washington a Israel, isso não acontecerá.
Com a direita israelita no auge do seu poder e o centro israelita a votar no Knesset a favor da anexação e contra a criação de um Estado palestiniano, com o Hamas a constituir a entidade política mais poderosa entre os palestinianos e os colonos e os seus aliados a organização mais poderosa em Israel, de que Estado palestiniano estamos a falar? Onde é que ele se situaria?
Uma tempestade num copo de água. O mundo cumpre o seu dever enquanto Israel destrói e mata à fome. O plano de limpeza étnica defendido pelo governo israelita está a ser implementado primeiro em Gaza. Não se pode imaginar piores condições para sonhar com um Estado.
Onde é que ele seria estabelecido? Num túnel escavado entre Yitzhar e Itamar? Haverá uma força capaz de evacuar centenas de milhares de colonos? Que força?
Haverá algum campo político que lute por isso?
Seria preferível, em primeiro lugar, tomar medidas punitivas concretas, obrigando Israel a pôr termo à guerra – a Europa tem os meios de o fazer – e, em seguida, colocar na ordem do dia a única solução que resta atualmente: uma democracia entre o Mediterrâneo e o Jordão; uma pessoa, um voto. Apartheid ou democracia. Para nosso horror, já não existe uma terceira via.
Gideon Levy é colunista e membro do conselho editorial do jornal israelita. Especialista na situação palestiniana. Publicado originalmente a 3 de agosto de 2025 no Haaretz. Traduzido para português e republicado por Palestina Vence.