Debate: Brasil não é petro-Estado

O Brasil não é um petro-Estado primitivo, mas uma potência energética e agrícola com sofisticação tecnológica. Ignorar essa realidade em nome de um ideal industrialista anacrônico é subestimar a complexa teia setorial que sustenta e pode modernizar a economia nacional

Fernando Nogueira da Costa, A terra é redonda, 15 de setembro de 2025

1.

Para compreender a economia brasileira contemporânea, é indispensável incluir a análise da produção e exportação de petróleo, especialmente porque o Brasil vem se consolidando como uma potência energética global. O petróleo propiciou a reconfiguração da pauta exportadora de maneira estrutural.

O Brasil já está entre os dez maiores produtores mundiais de petróleo, e a produção deve continuar crescendo, puxada pelo pré-sal. O petróleo cru já figura entre os três principais produtos da pauta exportadora brasileira, ao lado da soja e do minério de ferro.

Isso mostra a economia brasileira não pode mais ser entendida apenas pelo eixo “agronegócio + mineração”, pois os hidrocarbonetos passaram a ser determinantes para o balanço comercial e para a formação de reservas internacionais.

É um diferencial estratégico o pré-sal brasileiro (Búzios, Mero, Sépia, Atapu). Está entre os campos mais produtivos e rentáveis do mundo, com altíssima taxa de sucesso exploratório e baixo custo marginal (US$ 6–8 por barril em alguns blocos).

Isso faz do Brasil um destino atrativo para investimentos internacionais em energia, mesmo em um contexto global de transição energética. O Brasil e a Guiana (com o bloco Stabroek) são hoje considerados os motores de crescimento da produção global fora da OPEP.

O Bloco Stabroek situa-se na costa atlântica da Guiana, ao norte do subcontinente, em uma área de águas profundas e está sob a operação de um consórcio liderado pela ExxonMobil. Este bloco é o centro das descobertas de petróleo na Guiana, desde 2015. Transformaram o país em importante produtor petrolífero.

O setor de óleo e gás gera forte entrada de divisas e ajuda a sustentar o câmbio. A produção recorde resulta em superávits comerciais e aumento da resiliência diante o comércio externo muito dependente de importação de manufaturados.

Contudo, os “novos desenvolvimentistas”, ainda obcecados uma reindustrialização brasileira a la Sudeste Asiático, denunciam os riscos de “doença holandesa”. A apreciação cambial, devido a um superávit comercial estrutural, prejudicaria a competitividade industrial e reforçaria a reprimarização da pauta exportadora. Ora, também permitiria uma baixa “inflação importada” – e maior poder de compra em termos reais dos consumidores brasileiros…

O peso fiscal da Petrobras e das participações governamentais (royalties, participações especiais, dividendos) tem se tornado essencial para o equilíbrio das contas públicas.

2.

A América do Sul se apresenta como uma nova fronteira energética. Segundo a IEA, a região deve crescer 30–35% na produção até 2030, superando o ritmo do Oriente Médio e EUA. O Brasil responde pela maior parte desse avanço, seguido pela Guiana e Argentina (Vaca Muerta, gás e petróleo não convencional).

A ausência de limites da OPEP permite a região expandir livremente sua oferta, aproveitando o boom de descobertas em águas profundas e não convencionais.

Há contradições estratégicas porque, ao mesmo tempo, quando o Brasil se projeta como potência petroleira, assume compromissos climáticos e de transição energética. Isso coloca o país diante de um dilema: aproveitar o boom do pré-sal como janela de oportunidade de 10–15 anos ou acelerar a diversificação energética para reduzir riscos futuros de ativos encalhados.

A Petrobras já sinaliza uma estratégia híbrida: manter forte produção de petróleo no curto/médio prazo enquanto investe gradualmente em renováveis como eólica offshore e hidrogênio.

Em síntese, para entender a economia brasileira contemporânea é essencial considerar o papel estratégico do petróleo e do pré-sal. Já transformaram a pauta exportadora, a macroeconomia e a posição geopolítica do Brasil.

O país deixou de ser apenas um exportador de commodities agrícolas e minerais e passou a ser também um player central no mercado global de energia. Propiciou a ascensão da América do Sul como região de petróleo de crescimento mais rápido do mundo.

Um quadro comparativo resumido da pauta exportadora brasileira em valores percentuais aproximados do total de exportações, mostra como os principais setores — soja, minério de ferro, petróleo e derivados, e manufaturados — evoluíram nas últimas décadas.

Petróleo e derivados passaram de 5% em 2000 para 18% em 2023. Demonstra o impacto do pré-sal e do aumento da produção nacional. Soja (de 10% para 18%) e minério de ferro (de 12% para 20%) continuam importantes, mas o peso relativo do petróleo cresce, mudando a dinâmica da pauta exportadora.

Manufaturados perderam participação relativa (caiu 20% para 12%), refletindo a dificuldade histórica do Brasil em agregar valor industrial aos seus produtos. Outros produtos diminuíram em proporção (de 53% para 32%), evidenciando a concentração da pauta em commodities estratégicas.

O crescimento das exportações de petróleo redesenhou o perfil econômico brasileiro, reforçando a necessidade de integrar essa análise com agronegócio e mineração. Também devemos compreender os efeitos macroeconômicos, cambiais e fiscais dessa nova configuração exportadora.

3.

O PIB e a pauta exportadora do Brasil não podem ser vistos de forma fragmentada. Os setores estratégicos estão profundamente interligados.

Petróleo e gás (pré-sal) têm peso exportador de ~18% com produção offshore em águas profundas, tecnologia de exploração e extração sofisticada. Sua intersetorialidade dá suporte à indústria naval, logística, serviços financeiros e engenharia avançada.

Agronegócio também possui peso exportador de ~18%, onde soja, milho, carne e celulose têm crescente integração com agroindústria e logística. A intersetorialidade ocorre com a indústria de alimentos, transporte, serviços financeiros rurais, biotecnologia (Embrapa).

No caso da mineração, o peso exportador de ~20% compreende minério de ferro, níquel, cobre. São exportações de alto volume. Exigem logística portuária, siderurgia, tecnologia de beneficiamento.

Esses setores não são apenas produtores de commodities, mas geram valor agregado intersetorial, criando empregos, tecnologia e receita fiscal. O agronegócio e a mineração impulsionam serviços e indústria. O petróleo faz o mesmo, mas também fortalece reservas internacionais e o balanço comercial.

Há efeitos macroeconômicos, cambiais e fiscais com a entrada massiva de divisas, melhora da conta corrente e da posição externa líquida. Produção de alto valor agregado e inovação resulta em aumento de produtividade setorial.

Quanto aos efeitos cambiais, as exportações estratégicas de petróleo, minério e soja fortalecem o real em períodos de boom, mas criam vulnerabilidade à flutuação de preços internacionais. Alerta-se para um possível efeito de “doença holandesa”: valorização cambial prejudica setores exportadores não ligados a commodities.

Quanto aos efeitos fiscais, royalties e participações especiais da Petrobras, impostos sobre exportações de minério e soja resultam no aumento da arrecadação federal. Dá estímulo a fundos de investimento público-privados para inovação e infraestrutura logística.

Temos de desvencilhar as empresas inovadoras do mito do “complexo de vira-lata”.

Essas empresas mostram o Brasil ter desenvolvido uma capacidade tecnológica e inovação mundialmente competitiva. Elas contrariam o “complexo de vira-lata”: o país não é apenas exportador de commodities, mas também criador de tecnologias e soluções de ponta em setores estratégicos.

O agronegócio, mineração e petróleo formam a espinha dorsal exportadora e intersetorial da economia brasileira, com forte integração em serviços e indústria. A produção de petróleo no pré-sal redefine o balanço comercial, fortalece reservas e cria oportunidades de desenvolvimento tecnológico e infraestrutura.

4.

Empresas brasileiras inovadoras demonstram o país possuir capacidade de competir globalmente, não se limitando a recursos naturais. A combinação de setores produtivos + empresas inovadoras + política industrial/tecnológica pode quebrar o ciclo de dependência de commodities e ampliar o valor agregado no território nacional.

Abaixo está uma tabela de dupla entrada, cruzando setores estratégicos, empresas inovadoras, cadeias de valor e impactos macroeconômicos. Isso permite visualizar a economia brasileira contemporânea de forma sistemática e didática.

Em uma interpretação sistêmica, há integração intersetorial porque agronegócio, mineração e petróleo geram insumos capazes de atravessarem indústria e serviços, criando ciclos de valor agregado. As empresas inovadoras quebram o mito justificador do “complexo de vira-lata”, mostrando capacidade tecnológica e competitividade global.

Os impactos macroeconômicos se dão porque exportações estratégicas aumentam divisas, reservas internacionais e arrecadação. A interconexão de setores fortalece o PIB e resulta em empregos qualificados.

Cadeias de valor se estendem do setor primário à indústria e aos serviços, além da exportação. Demonstra a interdependência entre setores clássicos e a economia intersetorial no Brasil.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]




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