Titãs no capitalismo contemporâneo

Benjamin Braun e Adrienne Buller, Economia e complexidade, 12 de junho de 2025

A ascensão das gestoras de ativos

Em meados de outubro de 2021, a BlackRock revelou os resultados obtidos até o terceiro trimestre que ali se encerrava: a gigante da gestão de ativos anunciou, então, que tinha quase US$ 10 trilhões em ativos sob gestão. É um grande montante já que se mostra “aproximadamente equivalente a todas as indústrias globais de fundos de cobertura (hedge funds), “participação privada” (private equity) e capital de risco, combinadas”. Considerando que essa empresa quebrou a marca de US $ 1 trilhão em 2009, vê-se que obteve um aumento de quase dez vezes em apenas alguns anos

Desde a crise financeira de 2008, testemunha-se a ascensão dessa indiscutível superpotência de capital acionário. A BlackRock, embora excepcional, não está sozinha. Ela tem como rival mais próxima, a Vanguard. Ora, essas duas empresas controlam quase US$ 20 trilhões em ativos, tendo uma participação de mercado combinada de mais de 50% no mercado em expansão dos fundos negociados em bolsa (Exchange Traded Funds ou ETFs[3]). E elas não são apenas grandes – elas são “universais” – pois controlam grandes participações em todas as empresas, classes de ativos, setores e geografias da economia global.

Tem-se, pois, uma situação sem precedentes de concentração e repartição de riqueza, que tem provocado um debate feroz sobre o que significa essa nova era de propriedade compartilhada, universal e cada vez mais passiva. Para alguns, como Matt Bruening,  o novo regime contém as sementes de uma visão econômica socialista-utópica; para outros, como Annie Lowrey, trata-se de um pesadelo anticompetitivo “pior do que o marxismo“.

No centro do debate está a teoria da propriedade universal. Eis o que essa teoria afirma: como tais gigantes da gestão de ativos são proprietárias universais, que tem portfólios totalmente diversificados, elas devem estar estruturalmente motivadas a internalizar as externalidades negativas, as quais surgem da conduta de corporações ou de setores específicos.

Trate-se da desigualdade social ou da crise climática, os proponentes da propriedade universal afirmam que as enormes externalidades criadas pelo capitalismo corporativo acabarão diminuindo os retornos dos acionistas e, portanto, os proprietários universais devem e agirão para minimizá-los. É uma teoria elegante, mas será verdadeira? Em última análise, a resposta a essa pergunta depende de como se entende a propriedade.

Em seu livro definitivo sobre governança corporativa, Robert Monks e Nell Minow, os criadores da “teoria da propriedade universal”, subscreveram a seguinte tese “É virtualmente inconcebível que algo seja do interesse dos aposentados que não seja do interesse da sociedade em geral”.

No entanto, existem vários fatores que contrariam essa promessa da propriedade dita universal. O principal deles é o fato de que, ao contrário dos fundos de pensão mencionados por Monks e Minow, as gestoras de ativos são intermediários financeiros com fins lucrativos; elas investem em nome de terceiros, mas mantêm os direitos de governança corporativa que derivam da propriedade de ações.

Como o trabalho da jurista Lynn Stout bem mostrou, as corporações não são, de fato, “propriedade” dos acionistas, mesmo se eles possuem direitos de rendimentos e de governança. Eis que mesmo a propriedade das ações se tornou difícil de identificar. A propriedade deve ser atribuída às famílias, os beneficiários finais da maior parte da riqueza financeira? Aos fundos de pensão que mantêm grande parte dessa riqueza financeira? Ou às gestoras de ativos que receberam dos fundos de pensão a delegação para administrar os recursos e que, por isso, dominam a estrutura acionária atual?

A resposta não é simples; na verdade, o alongamento da cadeia de investimento em ações ampliou a separação entre propriedade e controle, ou sejam, entre “a propriedade ativa e a propriedade passiva”. Essa separação tem implicações significativas para a forma como se entende as implicações da ascensão dos titãs da gestão de ativos tal como hoje se observa. Ao se fixar em apenas uma faceta desse novo cenário – a da propriedade universal – corre-se o risco de ignorar aspectos vitais da configuração mais ampla do que se denomina agora de capitalismo das empresas gestoras de ativos.[4]

Uma mudança de regime

Gerações de estudantes de negócios absorveram as lições da teoria da agência, segundo a qual os acionistas, aparentemente em contraste com gerentes ou trabalhadores, estão exclusivamente focados no desempenho de longo prazo das corporações. Nessa perspectiva, o que é requerido vem a ser uma estrutura de governança corporativa centrada na proteção de acionistas minoritários comparativamente vulneráveis contra a “expropriação” feita pelos “de dentro” – ou seja, pelos acionistas majoritários, gerentes e até mesmo os sindicatos dos trabalhadores.

Como partes interessadas, mas estruturalmente fracas no jogo de poder, a teoria diz que os acionistas precisam de forte proteção legal e regulatória, bem como deter privilégios extraordinários em relação à governança das empresas e à participação nos lucros das corporações. O legado da teoria da agência se mostra, pois, na orientação dos negócios anglo-americanos, assim como na regulamentação da economia dominada por corporações. O único regime de governança eficiente para elas é, por extensão, aquele voltado para a maximização do valor para o acionista.

Nas décadas em que o regime do valor para o acionista dominou na governança corporativa, a desigualdade disparou, mas o investimento e o crescimento estagnaram. Nesse período, ademais, 70% da vida selvagem desapareceu mesmo se um curso estável foi estabelecido para um aquecimento catastrófico de 3 graus. De fato, afirmar que o valor para o acionista falhou – mesmo em seus próprios termos centrados na eficiência – vem a ser afirmar o óbvio. Agora, porém, essa afirmação se tornou bem irrelevante. Nos EUA e no Reino Unido em particular, o capitalismo das gestoras de ativos já está firmemente estabelecido como um regime distinto de governança corporativa.

Reflita-se, agora, sobre análise da era da Grande Depressão feitas por Adolf Berle e Gardiner Means sobre a separação de propriedade e do controle nas corporações.  No período em que teorizaram sobre essas estruturas, os acionistas que inspiraram esses dois autores eram poupadores individuais. A teoria da agência de Michael Jensen e William Meckling, proposta na década de 1970, expandiu esse círculo para incluir investidores institucionais como fundos de pensão e doações universitárias. Todos eles eram acionistas dedicados, mas com um interesse econômico direto no desempenho das empresas que compunham os seus portfólios; eles selecionavam ativamente as empresas, apostando naquelas que estavam em em busca do retorno máximo.

Essa “ontologia de Berle-Means-Jensen-Meckling” foi tida como certa por seus defensores, por estudantes da matéria e por críticos do regime do máximo valor para o acionista. Era isso o que estava no cerne da “democracia dos acionistas” de Margaret Thatcher; das advertências de Peter Drucker sobre o “socialismo dos fundos de pensão”; e da teoria de Peter Hall e David Soscice de que a governança corporativa em economias de mercado liberais é dominada por investidores institucionais “impacientes” em busca de retornos de curto prazo.

A evolução da estrutura do mercado de ações nos Estados Unidos não parou, no entanto, com a ascensão dos fundos de pensão. Conforme mostrado na figura 1 em sequência, nas últimas três décadas, os principais impulsionadores da reconcentração da propriedade de ações foram o crescimento dos fundos mútuos e, especialmente, dos ETFs já citados.

Hoje, os maiores acionistas são empresas de gestão de ativos sediadas nos EUA – e elas têm pouca relação com os acionistas do mundo pensado por Berle-Means-Jensen-Meckling. Acima de tudo, elas são enormes. A BlackRock e a Vanguard sozinhas administram ativos cujo montante supera em três vezes o valor de todas as corporações no Reino Unido. Como resultado desse crescimento vertiginoso, a estrutura acionária dispersa nas economias de mercado liberais – um componente fundamental das teorias de governança corporativa e das variedades de capitalismo – deu lugar a uma estrutura acionária reconcentrada.

A BlackRock e a Vanguard agora detêm coletivamente 10% da capitalização de mercado total do índice FTSE 350 e, juntamente com a State Street, mais de 20% da média das empresas do S&P 500. Devido ao seu tamanho, essas participações são fundamentalmente ilíquidas. E isso elimina efetivamente a alternativa da “saída” – ou seja, a venda de ações – para os maiores gestores de ativos como fonte de poder dos acionistas e da disciplina resultante. Além disso, os fundos de rastreamento de índices, que compõem uma grande parcela da oferta ao mercado desses gigantes, não podem sair à vontade (ou não irão sair) das posições que detêm nas empresas individuais, independentemente do tamanho dessas participações – para grande desgosto daqueles que gostariam de optar pelo desinvestimento ativo.

Embora possa não parecer quando se olha apenas para o valor de face das ações, essa imensa a participação combinada e controlada pelas “três grandes” tem, sim, uma influência extraordinária nas assembleias gerais anuais corporativas. Eis que, nesses encontros, os acionistas mostram o seu poder votando em resoluções relativas a tudo, desde remuneração e retenção de diretores até metas de emissões.

Além disso, a sua influência real, tipicamente mensurável, é maior do que mostra essa primeira consideração. Veja-se: as empresas de gestão de ativos são obrigadas a participar das assembleias nos EUA; já muitos investidores menores simplesmente não têm recursos ou vontade de participar.  Ora, isso aumenta ainda mais a participação monopolizada por um pequeno punhado de empresas. Em contraste com os acionistas fracos do imaginário da teoria da agência, as empresas de investimento titânicas de hoje são realmente muito fortes. 

Em segundo lugar, como resultado de seu tamanho e da proeminência cada vez maior das estratégias de investimento por rastreamento de índices, as maiores gestoras de ativos são acionistas totalmente diversificadas. Não há uma empresa no FTSE 350 ou no S&P 500 em que a BlackRock e a Vanguard não estejam entre os maiores acionistas. E essa diversificação se estende muito além das ações listadas publicamente, de dívida soberana a imóveis e participação privada (private equity).

Juntas, essas duas características do capitalismo das empresas de gestão de ativos parecem fornecer promessa atraente. Como acionistas grandes, fortes e universais, as gestoras de ativos são estruturalmente incentivadas a internalizar as externalidades negativas que eram parte integrante do cálculo de maximização de lucros de acionistas menores e seletivamente investidos.

Em vez de procurar estabelecer o domínio de uma determinada empresa ou setor, em que os investidores isolados fazem as suas apostas, os proprietários universais se esforçam para obter um crescimento consistente e estável de longo prazo. Isso os torna supostamente atentos aos riscos sistêmicos, ao colapso climático por exemplo, aos quais estão universalmente expostos. Além disso, como grandes acionistas, como empresas gigantes, as gestoras de ativos devem ser capazes de exercer o poder visando administrar vigorosamente a economia, conduzindo-a a resultados ideais de longo prazo. O CEO da BlackRock, Larry Fink, emergiu como o defensor mais vocal dessa promessa. Eis, pois, a questão que supostamente vale US $ 10 trilhões: deve-se acreditar nele? 

Para avaliar completamente as implicações do capitalismo da gestão de ativos, é preciso considerar uma terceira característica. As empresas gestoras de ativos, ao contrário dos fundos de pensão e das fundações que dominaram antes deles, são intermediários com fins lucrativos. Elas não estão investindo por causa dos retornos que poderiam obter, seja no curto ou no longo prazo. Eis que esses retornos passam por elas, mas serão destinados aos seus beneficiários finais. O que motiva as empresas de gestão de ativos são os montantes de taxas (fees) que eles cobram de seus clientes.

Assim, o problema com a ascensão das gestoras de ativos não é que eles sejam investidores voltados particularmente para os ganhos de curto prazo; em vez disso, tem-se um problema de agência. Enquanto os beneficiários buscam um retorno maximizado, as gestoras de ativos buscam tanto as receitas provindas de taxas mais altas quanto um maior volume de ativos sob gestão. Esse problema de agência cria um obstáculo para a promessa sedutora de propriedade universal de várias maneiras.

O modelo de negócios das empresas gestoras de ativos é gerenciar um montante maior possível do dinheiro de outras pessoas; elas o fazem mediante a cobrança de taxas (fees). Elas procuram investir esse dinheiro a um custo mais baixo que for possível, muitas vezes usando veículos de rastreamento de índices. Os retornos de investimento abaixo da média afetam os interesses econômicos de uma gestora como Vanguard apenas indiretamente; os clientes podem transferir os seus recursos aplicados em seus fundos para alternativas administradas, por exemplo, pela BlackRock ou State Street.

Veja-se: nos termos que justificaram a renda e os direitos de governança concedidos pelos acionistas, as empresas gestoras de ativos não estão empenhadas fortemente em obter remuneração com as ações das corporações que detêm seus portfolios.

Existe, no entanto, um canal pelo qual os retornos dos investimentos afetam diretamente os lucros das empresas gestoras de ativos: o seu impacto nos preços dos ativos. Isso ocorre porque as gestoras de ativos operam ganhando uma taxa sobre cada dólar que administram. O ponto crucial do acordo é que os ativos sob gestão são marcados pelo mercado – tudo o mais constante, um aumento de 20% do S&P 500 traz um aumento de 20% nas receitas de taxas obtidas com os fundos indexados ao S&P 500.

Em 2020, um aumento impressionante no valor dos ativos contribuiu para um aumento na receita bruta do setor de gestão de ativos de US$ 29 bilhões. Comparece-se, agora, esse valor com modestos os US$ 5 bilhões de entradas líquidas de dinheiro novo. Para os gestores de ativos, a galinha dos ovos de ouro vem a ser o aumento dos preços dos ativos. Esta, no entanto, consiste de uma preferência pelo todo.  

Ao contrário de um pequeno investidor que surfa na montanha-russa da avaliação das ações da Tesla e, dependendo do resultado, tem muito a perder, a BlackRock, comparativamente, mantém-se imperturbável. Elon Musk pode apresentar um comportamento errante nas redes sociais, mas para essa empresa gigante importa apenas que os preços das ações, em conjunto, continuem a subir. O que importa é o desempenho do S&P 500 como um todo, e não qualquer um de seus componentes individuais.

A inflação dos preços dos ativos não é, é claro, apenas um jogo jogado pelas empresas gestoras de ativos. Em certo sentido, é o jogo mestre de uma forma de capitalismo caracterizada pelo que Ben Ansell chamou de “dominância de ativos”  – um mundo em que a renda familiar e os resultados políticos dependem mais das tendências nos mercados imobiliário e de valores mobiliários do que do mercado de trabalho e das tendências salariais. Estudos recentes lançaram luz sobre a política de inflação dos preços dos ativos em áreas como habitação e regulamentação financeira e gerenciamento de crises. No entanto, ainda se sabe relativamente pouco sobre o papel das gestores dos ativos cujo valores estão sendo inflados.

A política do capitalismo de gestão de ativos

O que é bom para os preços dos ativos é bom para as gestoras de ativos. É essa preferência primordial que explica a notável dedicação da BlackRock em se envolver na política monetária. Embora a ambição de Larry Fink de assumir o comando do Tesouro dos EUA até o momento não tenha sido bem-sucedida, ele obteve consideravelmente mais sucesso em obter acesso e influência sobre a política monetária do Fed.

Eis que a BlackRock obteve um mandato do Federal Reserve para fazer as alocações do programa de compra de ativos em resposta à pandemia do coronavírus. Assim, pode adquirir vários de seus próprios ETFs no processo. Embora a oportunidade tenha sido bem recebida pela BlackRock, o prêmio principal é o fator mais importante de avaliações de ativos do mundo – a postura da política monetária do Fed. 

O que um ex-presidente do Banco Nacional Suíço, um ex-vice-governador do Banco do Canadá e um ex-vice-presidente do Fed têm em comum? Todos foram contratados pela BlackRock. Em agosto de 2019, esse trio conseguiu garantir um convite para participar do conclave interno do mundo dos bancos centrais, o simpósio anual do Fed em Jackson Hole.

 Juntamente com a colega da BlackRock Investment Initiative, Elga Bartsch, eles apresentaram um artigo intitulado Dealing with the next downturn (ou seja, Lidando com a próxima desaceleração). Os autores do “paper” argumentaram em favor da seguinte tese: se houver outra grande crise, os bancos centrais devem responder com uma flexibilização monetária audaciosa. Alguns meses depois, quando a pandemia de Covid-19 chegou, o Fed respondeu nessa linha com a máxima audácia.

O que há de errado com o lobby feito pela BlackRock em favor de uma política monetária expansionista? O problema central, em contraste com o que  Monks e Minow observaram, é que nem todo mundo é acionista. Pelo contrário, conforme mostrado na Figura 2, metade de todas as ações detidas diretamente e ações de fundos mútuos são detidas pelo 1% mais rico das famílias americanas. A metade inferior das famílias praticamente não tem investimentos de capital, seja direto ou por meio de planos de aposentadoria.

Nesse sentido, a preferência pela inflação dos preços dos ativos dificilmente se mostra como um afastamento da política da coalizão deflacionária. Eis que esta tem sido sustentada por uma “coorte de eleitores poderosos cuja posição financeira depende da valorização contínua dos ativos de capital às custas dos salários”. Com certeza, o aperto dos mercados de trabalho e a militância dos trabalhadores ainda podem ser usados como justificativa pelo defensores da compra de ativos. No momento, no entanto, a inflação dos preços dos ativos induzida pela resposta à pandemia tornou os ricos mais ricos e os ativos e a influência da BlackRock ainda maiores.

De fato, os ex-estagiários da BlackRock desempenham papéis significativos no governo Biden. Brian Deese, ex-conselheiro sênior do presidente Obama antes de se tornar chefe global de investimentos sustentáveis da BlackRock, tornou-se presidente do Conselho Econômico Nacional de Biden. Mike Pyle, ex-estrategista-chefe de investimentos da BlackRock, foi nomeado conselheiro econômico-chefe do vice-presidente Harris. A BlackRock também foi convidada como conselheira na elaboração dos regulamentos de finanças sustentáveis da União Europeia, os quais regeriam os investimentos da BlackRock na região.

Essas nomeações têm significados bem reais, pois impactam na forma específica da política econômica que está sendo elaborada. Por isso, é preciso entender as motivações dos gestores de ativos de forma mais ampla. A forma do projeto bipartidário de Lei de Infraestrutura – que foi discutido e contestado de forma acalorada no congresso dos EUA – fornece uma visão clara da política do capitalismo de gestão de ativos. Larry Fink afirmara em sua carta aos investidores que o “risco climático é um risco para os investimentos”. A BlackRock, por isso, agiu rápido com base nessa percepção. Abordando a crise tanto como um investidor universalmente exposto quanto como uma instituição sujeita à regulamentação financeira, a BlackRock lutou muito para garantir que o controvertido tema da descarbonização atendesse aos seus interesses.

Esse projeto de lei pode ter sido sem precedentes em sua escala de investimentos relacionados ao clima; contudo, ele oferece um compromisso totalmente inadequado de destinação de fundos públicos para enfrentar o problema do clima, assim como para outros investimentos em infraestrutura. Em vez disso, apoiando-se explicitamente em uma implementação do “Consenso de Wall Street” de Daniela Gabor – abriu campo em termos favoráveis para o capital privado, como o apoio implícito e explícito do governo.

Trata-se de um modelo político arquetípico de “socializar risco e de privatizar a recompensa” que atende os interesses das gigantes da gestão de ativos. Eis que elas o aguardam ansiosamente. Os titãs da gestão de ativos sabem que o mundo não de hoje não é aquele em que o capital é escasso. Elas bem sabem que as oportunidades de investimento é que faltam. E para o investidor de longo prazo, nada poderia ser mais atraente do que investimentos em infraestrutura com apoio público, idealmente voltados para a resiliência a um clima em deterioração.

Sabe-se bem, atualmente, que economia deve se transformar rapidamente se é que se vai ter alguma chance de estabilizar o clima. Ora, a lógica “, como estrutura, permite que os investidores apostem na forma da economia futura enquanto comercializam títulos. Supõe-se, assim, que tais grande gestoras estão mais bem equipadas para mitigar o risco climático.  No caso das maiores empresas, trata-se de participar diretamente na designação legal do que é e do que não é a lógica “ambiente, sociedade e governança”. Essa lógica apresenta o benefício adicional de permitir que grandes empresas destinem votos em milhares de assembleias gerais em itens de decisão os quais elas próprias organizam e gerenciam.  

Essas não são as motivações dos investidores minoritários em busca de ganhos, investidores estes que estão propensos à sair fora, mas que, em última análise, são “fracos”. São eles é que povoaram o imaginário Jensen-Meckling. Sob o capitalismo de gestão de ativos, o capital financeiro está de volta. Os acionistas dominantes consistem de vastas entidades que combinam diversificação total com controle significativo.

Eles estão nisso numa perspectiva de longo prazo. Dada a pouca liquidez, surge uma necessidade fundamental de inflação agregada dos preços dos ativos. Olhando para o perigo do risco climático, eles empreenderam um esforço conjunto para minimizar sua exposição a esse risco. Procuraram garantir que os esforços globais para enfrentar a crise atendam aos seus interesses –  e aos interesses daqueles cuja riqueza eles administram. Será que esses interesses privados coincidem com o interesse público (global)? Embora possa existir um mundo em que coexistam, as chances de que assim seja parecem bem baixas.

O que se sabe agora é que não se está mais vivendo no mundo descrito por Berle-Means-Jensen-Meckling. Além de ter falhado (em seus próprios termos), o regime de governança corporativa que manda maximizar o valor para o acionista foi já totalmente derrubado em suas suposições e justificativas. A ascensão da BlackRock, Vanguard e seus concorrentes deu início a um novo regime e ele está baseado numa combinação de concentração, controle, diversificação e “desinteresse” sem precedentes históricos. A era do capitalismo de gestão de ativos constitui um novo regime de governança corporativa cujas implicações para o poder e o controle na economia em geral estamos apenas começando a entender.

Benjamin Braun é cientista político e pesquisador sênior do Instituto Max Planck para o estudo das sociedades. Autor junto com Kai Koddenbrock do livro Capital Claims: Power and Global Finance. Routledge, 2022. Adrienne Buller é pesquisadora sênior do núcleo de pesquisa “Common Wealth”. O seu trabalho se concentra em finanças e na crise climática.

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