O que está acontecendo com o clima da Terra?
No mês de abril de 2025 completamos 21 meses (dentre os últimos 22) com temperaturas médias acima de 1,5 graus Celsius – vale lembrar que a ambição do Acordo de Paris, firmado em 2015, era evitar exatamente isso. Agora, vivemos um período do que os cientistas estão chamando de “anomalia da temperatura global” com o enorme salto nas temperaturas do planeta nos últimos dois anos.
Fonte: Prof. Eliot Jacobson no @climatecasino.net
Como podemos acompanhar no gráfico acima, há uma oscilação sazonal, com os meses de verão no Hemisfério Norte sendo mais quentes do que os do verão no Hemisfério Sul. Mas as temperaturas no século XXI, até 2022, vinham normalmente variando, ao longo do ano, entre 1,0 a 1,3 graus acima do nível pré-industrial. Depois de 2023, passamos a temperaturas médias mensais que estão entre 1,5 e 1,8 graus, com o último ano marcando 1,61 graus acima da média pré-industrial.
Os cientistas normalmente associam os aumentos de temperatura média global a eventos El Niño, fases de elevação da temperatura nas águas do Pacífico que marcam o ciclo El Niño-Oscilação Sul (ENSO). A ENSO conhece fases de calor (El Niño), resfriamento (La Niña) e neutras. O último El Niño iniciou-se em junho de 2023, atingiu seu auge em dezembro de 2023 e terminou em junho de 2024. Ele foi sucedido pelo La Niña, que deveria reduzir as temperaturas e terminou em abril de 2025; o Pacífico tropical voltou a condições neutras. Mas as temperaturas médias não caíram depois do fim do El Niño.
Os cientistas do Sistema Terra são extremamente cuidadosos e conservadores para tirarem conclusões. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, em inglês), por exemplo, utiliza as temperaturas médias dos últimos trinta anos. Mas eles estão extremamente preocupados, porque a tal “anomalia” está se prolongando muito além das oscilações habituais. Como qualificaram William Ripple e seus colegas no “Relatório sobre o estado do clima de 2024”, são “tempos perigosos no planeta Terra”.
O clima do planeta teria - na linguagem da teoria dos sistemas - mudado de estado, saltando para um patamar qualitativamente mais quente? Essa é, hoje, a explicação mais provável para o que se passa. Sabemos que os aumentos graduais das temperaturas levam, em alguns momentos, a saltos qualitativos. Já demos esse salto?
Se a resposta for confirmada, não daqui a trinta anos, como quer o IPCC, mas nos próximos poucos anos com temperaturas médias globais no atual patamar ou ainda mais elevadas, isso nos leva a dois grupos questões: científicas e políticas.
Entre as científicas: quais processos foram responsáveis por transformar o acúmulo de gases do efeito estufa em um salto nas temperaturas médias? A decrescente absorção das emissões antropogênicas de carbono pelos oceanos aquecidos e pelas florestas diminuídas e degradadas? A alteração nas nuvens e no albedo (a fração da luminosidade da radiação solar refletida pela Terra de volta para o espaço) do planeta? A retirada do enxofre dos combustíveis utilizados na navegação, imposta pela nova regulamentação da Organização Marítima Internacional? Ou ainda a combinação dessas com outras variáveis levantadas pelos cientistas? Haverá estabilização por alguns anos ou o aquecimento continuará se acelerando, com eventuais novos saltos?
Uma coisa é certa: as taxas de aceleração do aquecimento observadas no segundo e, sobretudo, no terceiro decênio do século (mais de 0,3 graus Celsius de aquecimento global por década), se mantidas, colocarão em questão a sobrevivência da civilização planetária que desenvolvemos no último meio século!Já no âmbito político, todos os prazos para evitarmos grandes catástrofes climáticas estão se encurtando muito rapidamente e a variável tempo é crucial em todo processo de adaptação. Mesmo com a metodologia muito prudente do IPCC (a média dos últimos 30 anos), ultrapassaremos a meta de aumento da temperatura global de 1,5 graus até 2030 e provavelmente os 2 graus nos anos 2035-2040, como afirmam Michael Mann, James Hansen e um número crescente de cientistas do clima. O chamado à ação política em defesa do planeta e do clima, que se choca com a inércia dos principais centros de poder do mundo (inclusive do governo Lula), é urgentíssimo. O único meio para conjurar a catástrofe iminente é, para usarmos a imagem de Walter Benjamin, puxar o freio de emergência da locomotiva da acumulação capitalista.
É nesse cenário que lançamos o Boletim Socioambiental do Rupturas. A cada edição, produzimos uma curadoria do que de mais relevante foi produzido no “ecossistema” de organizações e movimentos socioambientais no Brasil e também produzimos análises próprias, além de traduções de análises publicadas no exterior. Nosso objetivo é oferecer uma coletânea confiável das informações sobre meio ambiente e sociedade e, sobretudo, ser ferramenta de coordenação para a ação política que a crise exige. Convidamos você a acompanhar, debater e, principalmente, agir.