Decrescimento ou duas Terras!
O autor do artigo que se segue, Stan Cox, sugere que há uma alternativa para o futuro da humanidade (se assim se puder chamar a população do mundo como um todo). Mas a escolha a que se refere é de fato uma “escolha”, pois se dá entre uma utopia em sentido forte e uma impossibilidade.
Para Cox parece que a única opção é o decrescimento planejado como ficará claro em sua leitura. Mas há outra possibilidade: o decrescimento caótico. Não seria este o caminho mais provável para o eventual progresso da vida humana na face da Terra? Eleutério Prado]
Stan Cox, Couterpunch, 19 de junho de 2023. Tradução de Eleutério Prado.
Em um ensaio de 30 de maio para o New York Times intitulado “A nova lei climática está funcionando”, Brian Deese, um dos arquitetos da Lei de Redução da Inflação (IRA) do ano passado, escreveu que “os investimentos em energia limpa estão crescendo”. Disse ainda: “Nove meses desde que essa lei foi aprovada no Congresso, vê-se já que o setor privado se mobilizou muito além de nossas expectativas iniciais para gerar energia limpa, construir fábricas de baterias e desenvolver outras tecnologias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”.
Há, no entanto, apenas um problema. Essas tecnologias não vão reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A única maneira de reduzir as emissões rápido o suficiente para evitar a catástrofe climática é eliminar gradualmente a queima de petróleo, gás e carvão por meio de uma lei, direta e deliberadamente. Se, contra todas as probabilidades, isso fosse feito, os Estados Unidos certamente precisariam de instalações de energia eólica e solar, baterias e novas tecnologias para compensar o declínio da energia proveniente de combustíveis fósseis. Não há razão, no entanto, para esperar que o processo funcione isoladamente. Uma mobilização por “energia limpa”, portanto, por si só, não causaria uma redução acentuada no uso de combustíveis fósseis.
Acho que os principais líderes em Washington estão criando sonhos sobre “energia verde” para distrair o povo da verdadeira realidade, pois eles desistiram completamente de reduzir o uso de combustíveis fósseis nos EUA. Eles cederam. O acordo bipartidário deste mês sobre o limite da dívida incluiu um dispositivo que facilita a construção de infraestrutura de energia, incluindo oleodutos e gasodutos, tal como o ecologicamente destrutivo gasoduto fóssil de Mountain Valley.
Enquanto isso, o governo Biden emitiu novas regras permitindo que as antigas usinas de carvão e gás fóssil continuem operando se capturarem as emissões de dióxido de carbono que produziram e as injetarem em poços de petróleo antigos. Sob o IRA, as usinas que conseguem capturar emissões receberão subsídios climáticos federais. Podem obtê-los mesmo que usem o dióxido de carbono que é bombeado para os antigos poços para expulsar o óleo residual, fugindo assim dos métodos convencionais de extração.
Veja-se que o IRA nem sequer acabou com os subsídios federais às empresas de combustíveis fósseis, ação que poderia ter economizado algo entre US$ 10 e US$ 50 bilhões anuais. Em conjunto, essas políticas poderiam estender a operação das usinas de carvão e gás existentes muito mais no futuro.
Crescimento do PIB? … Desculpe, isso não está disponível na cor verde
A bonança dos combustíveis fósseis do século XX, com sua extensão até este século, permitiu uma explosão de crescimento econômico que supera tudo o que a humanidade havia alcançado anteriormente. Não por acaso, também capacitou nossa espécie a causar uma degradação ecológica numa escala sem precedentes. As atividades industriais e agrícolas da humanidade têm um impacto na Terra que agora excede, em 75%, a capacidade da natureza de suportá-las sem danos duradouros. Em outras palavras, precisaríamos de quase duas Terras para sustentar uma economia mundial desse tamanho no longo prazo – mais de duas, se ela continuar crescendo.
Esta é uma história antiga, há muito ignorada. Mas isso não pode mais acontecer. As enormes necessidades de recursos da corrida da energia “verde” estão chamando muita a atenção pública para um fenômeno perturbador. Discutimos isso na edição do mês passado do blogue In Real Time. Na ocasião se concluiu que danos insuportáveis serão causados à humanidade e à Terra caso se persista na busca dos recursos minerais que são necessários para construir novas infraestruturas energéticas.
As quantidades insondáveis de minérios que serão extraídos para fabricar as baterias exigidas pelos veículos elétricos e pelas vastas novas redes elétricas, assim como os danos e sofrimento que resultarão disso, foram tema de muitas manchetes recentes. Mas se os países continuarem pressionando por novos sistemas de energia grandes o suficiente para apoiar totalmente 100% da atividade econômica agora possibilitada pelo petróleo, gás e carvão, eles não apenas não conseguirão parar as emissões de gases de efeito estufa, mas também não conseguirão evitar a violação de outras fronteiras planetárias críticas, incluindo a perda de biodiversidade, a poluição por nitrogênio e por fósforo, assim como a degradação do solo.
Já ultrapassámos várias dessas linhas vermelhas e seguimos em frente. Nada pode crescer para sempre. Mas a mera tentativa de manter as grandes e ricas economias do mundo crescendo em um futuro longo esmagará quaisquer esperanças que possamos ter em relação ao futuro.
No centro da afirmação, circulante nos meios industriais, de que as economias mundiais podem se expandir sem limites está a ideia do “crescimento verde”. Tal como na fábula do abridor de lata do economista, o pressuposto do crescimento verde pode nos fazer acreditar que o impossível pode ser possível. Nesse caso, isso significaria gerar maior riqueza agregada ano a ano, emitindo menos toneladas de gases de efeito estufa, extraindo menos toneladas de recursos e causando menos destruição de ecossistemas, menos perda de biodiversidade menos produção de outros danos à Terra e aos nossos semelhantes.
Artigos de pesquisa publicados nos últimos anos descobriram que o crescimento econômico nunca foi alcançado em grandes áreas geográficas por longos períodos sem que surgissem sérios impactos ambientais. Os autores constataram ainda que “não há cenários realistas” para sustentar uma taxa de crescimento anual de 2% sem que ocorra uma extração excessiva de recursos e que ocorram emissões de gases de efeito estufa – mesmo em suposição favorável de que ocorra um “aumento máximo na eficiência do uso de materiais”.
Se se deseja ouvir uma opinião menos técnica sobre crescimento verde, que até os políticos podem entender, aproveite esta apresentação do cientista social Timothée Parrique na recente conferência “Além do Crescimento” apresentada no Parlamento Europeu. Muito se tem falado do fato de que, nas últimas décadas, o PIB da Europa tem crescido de forma constante sem aumentar as emissões de dióxido de carbono. Isso levou a alegações imaginosas de que a “descarbonização” do crescimento econômico está finalmente acontecendo. Mas produzir mais riqueza com a mesma quantidade de emissões que alteram o clima não é o mesmo que reduzir emissões.
Parrique mostrou na conferência que, nos últimos 30 anos, a riqueza se acumulou na superfície da Terra ao mesmo tempo em que o dióxido de carbono se acumulou na atmosfera e nos oceanos. Provou, ademais, que a União Europeia não conseguiu reduções significativas na taxa de emissões de dióxido de carbono – exceto de 2008 a 2014, os anos da Grande Recessão. A União Europeia só conseguiu reduzir de fato as emissões quando a sua economia não cresceu!
As sociedades devem decidir: queremos um PIB crescente ou um futuro ainda habitável pelo ser humano e por outro seres? Não podemos ter os dois.
Vamos supor, por uma questão de argumentação, que os EUA tomem a decisão certa e se mantenham dentro dos limites ecológicos. Para começar, isso exigiria a eliminação rápida dos combustíveis fósseis e a construção de um modesto sistema de energia renovável que compensaria apenas parcialmente a diminuição da oferta de energia fóssil. Nessas condições, a economia encolheria e precisaria continuar encolhendo até que seja pequena o suficiente para parar de transgredir os limites ecológicos. Nesse ponto, teríamos alcançado, nas palavras do falecido economista ecológico Herman Daly, uma economia de estado estacionário.
Esse período de encolhimento não seria uma recessão. Uma reversão do crescimento induzida por uma redução deliberada e bem planejada na oferta de energia e recursos materiais disponíveis para a economia teria efeitos totalmente diferentes da miséria causada por recessões – desde que se estabeleçam políticas para garantir a suficiência material e a equidade em toda a sociedade. Ou seja, se garantirmos que todos tenham o suficiente, evitando a produção e o consumo excessivos.
Um decrescimento planejado, seletivo e equitativo
No mês passado, a revista The Economist gastou 1.400 palavras para menosprezar a conferência Beyond Growth da União Europeia e para tratar os seus participantes como misantropos que amam a recessão. Aludindo à recente estagnação do PIB em alguns países europeus, perguntou: “o que é a Europa senão já um continente pós-crescimento?” Parrique deu uma resposta retórica a essa pergunta retórica:
“Na realidade, o decrescimento difere fundamentalmente de uma recessão. Uma recessão é uma redução do PIB, que acontece acidentalmente, muitas vezes com resultados sociais indesejáveis como desemprego, austeridade e pobreza. O decrescimento, por outro lado, é uma redução planejada, seletiva e equitativa das atividades econômicas. Associar o decrescimento a uma recessão só porque as duas envolvem uma redução do PIB é um absurdo. Isso equivaleria a argumentar se uma amputação e uma dieta são a mesma coisa só porque ambas levam à perda de peso”.
Essa distinção entre as reduções da atividade econômica que ocorrem durante as recessões e as que ocorreriam nas economias em decrescimento é importante. Mas, para obter apoio popular para o decrescimento, ainda será necessário argumentar mais com mais elaboração. Aqueles de nós que cresceram em sociedades industriais foram ensinados a vida inteira que o crescimento do PIB é essencial para o bem-estar e a qualidade de vida de todos. Essa crença quase religiosa na bondade do crescimento persiste, apesar de inúmeros estudos publicados nas últimas três décadas demonstrarem que, uma vez atendidas as necessidades essenciais das pessoas, um maior crescimento do PIB não aumenta a satisfação com a vida.
Essa desconexão entre o crescimento econômico geral de uma nação e a qualidade de vida de seus moradores não é surpreendente quando se olha para os Estados Unidos. Aí, a maior parte da riqueza gerada nas últimas décadas foi capturada e acumulada por apenas uma pequena minoria. No ano passado, o 1% mais rico possuía um terço da riqueza total das famílias do país, enquanto 50% das famílias na metade inferior da escala de riqueza detinham apenas cerca de 3%. Muitas dessas famílias não tinham riqueza líquida e o crescimento não está fazendo nada para ajudá-las. Da nova riqueza gerada desde o auge da Grande Recessão em 2009, os 10% mais ricos acumularam 75 vezes mais por família do que os 50% mais pobres.
Eis como se pode reafirmar o mesmo de uma forma mais sucinta: em um país rico, o dinheiro não pode comprar felicidade, mas ter muito dinheiro ajuda você a adquirir ainda mais. E isso sempre em detrimento da humanidade, dos ecossistemas e do nosso futuro coletivo.
Apesar do fato de o crescimento econômico ter redundado numa emergência ecológica, apesar de metade da população dos EUA não compartilharem significativamente da riqueza que produz, quase todas as pessoas – se perguntadas – expressarão uma visão positiva do crescimento econômico. A maioria delas recuará diante da sugestão bem branda de que chegou a hora do decrescimento. Para ajudar a dissipar a percepção arraigada de que o crescimento é bom e o decrescimento ruim, o antropólogo econômico Jason Hickel invocou uma analogia apropriada:
Considere-se as palavras colonização e descolonização, por exemplo. Sabemos que aqueles que se engajaram na colonização sentiram que era uma coisa boa. De sua perspectiva – que foi a perspectiva dominante na Europa durante a maior parte dos últimos 500 anos – a descolonização pareceria, portanto, negativa. Mas a questão é justamente desafiar a perspectiva dominante, porque a perspectiva dominante está errada. De fato, hoje podemos concordar que essa postura – uma postura contra a colonização – é correta e valiosa: nos posicionamos contra a colonização e acreditamos que o mundo seria melhor sem ela. Não se trata de uma visão negativa, mas positiva; uma que vale a pena assumir como nossa. Da mesma forma, podemos e devemos aspirar a uma economia sem crescimento, assim como assumir que aspiramos atualmente por um mundo sem colonização.
Hickel, Parrique e outros estudiosos do decrescimento enfatizam que são os países ricos é que precisam passar pelo decrescimento. O que as nações ricas estão chamando de “crescimento”, escreve ele, é, na realidade, “um processo de acumulação por parte das elites, de mercantilização dos bens comuns e de apropriação do trabalho humano e dos recursos naturais – um processo que tem um caráter colonial”. Esses são excessos da economia atual que precisam decrescer, juntamente com a produção esbanjadora e supérflua. Não se quer reduzir os bens e serviços essenciais que podem garantir uma vida digna para todos.
A obrigação de reduzir a produção material e acabar com degradação ecológica cabe às nações ricas e às populações ricas do mundo. Parrique mostrou na conferência que economias com “prosperidade insustentável”, tal como a dos EUA, devem encolher, enquanto economias economicamente desfavorecidas devem ter garantidos os meios e a oportunidade de construir e transformar.
Os objetivos de uma sociedade em declínio não seriam apenas imagens inversas de metas de crescimento. Não se veria, por exemplo, uma contrapartida de decrescimento do Federal Reserve visando uma queda anual de 2% no PIB. O objetivo em uma sociedade em declínio, presumivelmente, seria uma boa qualidade de vida para todos, dentro dos limites ecologicamente necessários. E assim como as classes proprietárias e investidoras viram os maiores aumentos na riqueza e no consumo na era do crescimento, elas experimentariam quedas acentuadas na era do decrescimento. Em vez disso, a economia poderia se dedicar a fornecer boa qualidade de vida para todos, o que significaria uma grande melhoria para os cerca de 140 milhões de pessoas pobres e de baixa renda nos EUA.
As estratégias mais eficazes para realizar o decrescimento difeririam sem dúvida de país para país. Ora, isso implicaria que a intensidade da oposição política à própria ideia de decrescimento vai variar também. A resistência da elite bipartidária seria especialmente forte nos EUA, espero, mas isso não seria motivo para abandonar o assunto. Na verdade, é um bom motivo para colocá-lo numa posição ainda mais alta.
Continuo convencido de que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é um primeiro passo pequeno, mas urgentemente necessário, que pode levar ao decrescimento e, eventualmente, a uma sociedade de estado estacionário que viva dentro dos limites ecológicos. Isso, junto com as restrições ecologicamente necessárias ao desenvolvimento de energias renováveis, desencadearia o que muitos veriam como uma crise nacional. Mas podemos torná-la uma crise frutífera, na qual todos encontraríamos o nosso caminho coletivo para uma nova sociedade equitativa – baseada em um direito inalienável a uma vida boa e limites inalienáveis à produção e ao consumo materiais.
A versão original deste artigo foi publicada por City Lights Books como parte da série ‘In Real Time’. Ademais, Stan Cox é o autor do livro The Green New Deal and Beyond Ending the Climate Emergency While We Still Can, City Lights, maio de 2020.